quarta-feira, 26 de junho de 2013

Ligação à cobrar

Hoje é teu aniversário
espero que tire o dia de folga
e que  não atendas as ligações à cobrar
(mesmo que seja minha)

aproveite pra desmarcar compromissos
atrasar o ponteiro da responsibilidade
afrouxar a calça da imperatividade

                     — Garçom!

Aproveite o momento para ser feliz
(Eu juro que haverão outros)

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Campeonato mundial de par ou impar


 com o passar do tempo
as jogadas tornaram-se outras

e eu continuei sendo o melhor
 dos perdedores

domingo, 9 de junho de 2013

Natureza Morta

Tudo escorre numa ausência. Um ponto, de longe: nada; que se estende, se alongando numa folha branca em que uma mancha de tinta, ou pingo, na verdade uma combinação de pequenos pontos que deslizam: dançam, desenhando formas secas. Se puder ver melhor, verá que é uma rua mal iluminada, um beco. Não, não. Na verdade nada, só letras impressas. Se pudéssemos ouvir um grito, uma apelação, uma exclamação, que se emudece por uma mão. A angustia do silêncio, que não ouvimos. Porque são apenas linhas, e linhas são inofensivas; elas abrem uma porta, fazem uma paisagem, continuam marchando até um plano de fuga. Um garoto sentado, num bar, numa casa noturna. Tanto faz. Não se ouve direito, nem se vê. Não se entende porque. Ele havia pedido um sanduíche, desses que tem nome de artista famoso ou de uma banda dos anos 60, compreensivelmente tinha um corte de cabelo de tigela, lembrando vagamente um beatle. Batucava com os pés, que se revestiam de um sapato preto de bico quadrado, um ritmo frenético: esperava seu sanduíche, que era preparado na cozinha.
Nas caixas de som: uma banda alternativa-moderna, inova em fazer porcaria. A música se misturava com palavras alheias, abafadas pelo calor. A iluminação relaxava e excitava as pálpebras, da cozinha emanava um cheiro de fritura e assado, vapor e mais calor. Os dois cozinheiros; um deles gordo, de cabelos escuros e bem umidecidos em gel ou vaselina; me abstenho dos detalhes divertidos; outro era um magrelo loiro, de dentes bem avantajados que servia mais como garçom e auxiliar de cozinha, não chegando nem perto de tocar na frigideira. Este ultimo rapaz, Hugo, resumia suas ações a se esconder da vista do cozinheiro saliente e também do patrão. O cozinheiro que teve boas intenções no seu passado, quando ainda acreditava em papai noel ou quando o real tinha o mesmo valor que o dólar; não era também dos mais trabalhadores e sua vontade, bem. Limpava a testa com as mãos fazendo cair gotinhas salgadas, perdidas e perversas de suor sobre o lanche bem preparado com 150 gramas (contadas, com muito orgulho, pela balança desregulada) de carne natural. As músicas da época, o incomodavam, e seu humor invariável o impedia de servir a clientela; por isso, gritava evocando o auxiliar palerma, com um urro cavernoso e percussivo. Do lado de fora, protegido do calor, mentalizava o pedido dum isqueiro alheio, mas o chamado do inferno só não era mais rápido que um raio; como também sufocante e imperativo. Acabou suspendendo os poderes psíquicos, voltou a seu posto.
Ainda na mesa, agora mais angustiado do que antes, torcia o pescoço. De tempos e tempos consultava o relógio, e quando reuniu forças, matou no bico a cerveja. Chegara Hugo com o pedido. Ele abre a fatia superior, investiga os vegetais e observa perplexo aquela roda achatada de carne. — Mas que diabos? Uma vaca é morta,  — porque é do cotidiano morrer; depois é esquartejada, tem as suas partes mais inúteis transformadas em utilidades industriais, a carne seria a parte mais valiosa (será?). Imaginava bifes suculentos cirandando em cima das chapas, rolavam na farinha e paravam entre duas fatias de pão e uma floresta pobre de vegetais. Não seja você a pensar nos direitos bovinos ou na divina providencia dos vegetarianos. Ele levanta os óculos de lentes amarelas circular, que prejudicavam sua visão, em completa contemplação. Voltando a seus afazeres, Hugo expele silenciosos gases, a ciência de que existe informação em demasia e que aquilo não será nenhum terrorismo, tornou-o seguro (por aquele momento). 
Em revoluções de horas (depois de:
coletar o óleo em latas de conserva;
se alimentar das sobras;
jogar o lixo na rua;
trocar a roupa;
receber a gorjeta do patrão e
 de brinde comentários de escárnio
 que tropeçavam entre
os dentes sujos de tártaro e lábios secos;
finalmente, finalmente) andava pelas ruas desertas, não encontrava miragem de vida ou coisa similar. Na verdade encontrava somente miragens de vida, nada mais. O cigarro apagado era vítima do acaso? Se o jogasse no chão, desistindo do vício, faria a festa dos ratos. Mas sem fogo, teria que aguardar. — Que um hidrante pegasse fogo!— (ou que encontrasse fogo). Entrou em duvida se pediria o isqueiro pra alguém fumando pedra. Pediria ou não pediria? Titubeava a na sua cabeça. Não pediria, pois a apesar da distância de seu quarto (infeliz morador duma república, que é a casa de todos moradores igualmente, e se possível em menor quantia dele), porém já estava longe de aceitar a possibilidade. (— Não pedir?) 
Longe, aquele mesmo rapaz estranho de cabelo de tigela, se encontrava sentado em algum banco, com outros rapazes da mesma. Poderia dizer que todos ali formavam uma banda, ou que pelo menos tinham a parafilia de vestir com toda a pomposidade e a garbosidade de um rock star. Repare: a decadência era virtuosamente bem copiada, chegando a maestria de se passar por original, porque decadentemente eram muito melhores que os videos de má resolução vendidos por ai. Estranho ainda não terem criado um nome, ou um estudo para tal comportamento (fica aqui minha idéia pra você estudante e futuro pesquisador das estranhezas). A maçã tinha um furo em diagonal; segundo cálculos, fora bem projetada; aparentava um cachimbo (c'est a pipe), porém o furo não era estreito, deixando a bagana frouxa. Depois totalmente abraseada, desistiram e a maçã seria o próximo alvo. Vorazes dentes cravavam as novas formas da fome. Havia um assobio nas ruas, e no momento uma moto passaria em alta velocidade. O ruído se mescla ao som: um canto gregoriano que rodopia e se aproxima juntamente com um vento gelado, torturante aos mais sensíveis e que fez marejar os cansados glóbulos oculares. Veio do grupo, uma pergunta: Vamos ou vamos?
Uma moto passava por Hugo, e arrotava pra ele seu nome. "Ter que cuidar pro garoto não fazer cagada na frente do patrão e foder com todo mundo é osso demais. Sendo que ele fede (ele?). Parava com a motoca na esquina desses puteiros do centro. Buzinava, descia logo a sua. Gostava de apanhar, de ser chicoteado, mordido, queimado, rasgado, arranhado, mutilado, xingado, lambido, apertado, apunhalado, afagado, eletrocutado, asfixiado... Ejaculava gritando de prazer e ódio, se ajoelhava sujo de gozo, beijava os limpíssimos pés de Beatriz. Deitava-se, como um leão abatido, em posição fetal no chão e chorando sonhava de saudade da mamãezinha. Este era o único momento em que ficava fora do útero. Desprotegido da sua hermética carapaça, como se nunca percebera quão cruel e injusta fosse a vida. Pobrezinho, a tatuagem e a barba, eram signos que tornavam mais grotesco o ato. Mas terminado isso; o cochilo, o fetichismo mercantil (que anula qualquer relacionamento humano lembrando os não-diálogos no caixa do mercado). Ele é um cliente e ela. Queimando borracha no asfalto, ia se afastando de si; sentido que: quanto mais vivo, menos dinheiro se tinha e quanto mais morto, mais feliz se era. Ou alguma tolice similar, guardava seus aforismos imaginários que se desmanchariam com o tempo. 
Hugo acenderia o cigarro, mas não faria comida para não ter que lavar os pratos sujos. Dormia também sem tomar banho para não acordar ninguém. Apagaria a luz do seu quarto e sem trocar de roupa deitaria. Levantaria, ligando o som no bem baixinho, e ouvindo música.

ZzZ 
zZz
 ZzZ
 zZz
ZzZ

Numa deserta rua, num beco mal-iluminado; aquele mesmo grito, a mesma mão. Os vizinhos ouvem. Três aumentaram o volume das televisões. Um casal voltou a dormir. Uma velha pensou em ligar, e ligou. A viatura mais próxima, tinha os trabalhadores ocupados: conversavam com as cidadãs da vida. Todos ouvem e todos sabem quem, já viram. Mas não falam. E da ausência se escorre tudo. E as cenas se repetem em outros lugares, diferentes pontos, outras manchas e respingos. Mas nada acontece efetivamente. Tudo se repete.

 zZz

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Velitude prématura

[20 anos]
Mamãe
não quero nescau
nenhuma polenta
ou macarrão
irá me satisfazer

 (a fome que tenho
  não é de comida)

Mãe,
já estou velho
e só posso responder
suas perguntas em
monossílabos

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Deus ex machina

     engrenagens
    labirintos celulares
     material genético
     pistões e válvulas
 dilatam e comprimem
 esquentam e resfriam

    toda máquina
  tem seu condutor
    todo condutor
    é a sua própria
     máquina

sábado, 1 de junho de 2013

Presente de aniversário

Estou contente
com o acontecido

Não tenho problema
com o nada

O rotineiro até
me impressiona.