segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Passeio Curitibano

Descendo o Alto da Quinze
encontrei a alma um poeta morto
que convidou-me para esquiar
me disse que seu nome era Paulo
e com ele fui leminskiar.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Primeiros Delírios

Se lembrava do passado, de quando a vida era feliz. Não suporto quem vive no passado. A vida nunca é tão plena quanto numa lembrança. Revirava e abria baús velhos que só levantavam uma poeira fina e encardida. Que maldita alergia a poeira. Impregna nas ventas, que vontade tenho de expirar toda essa nostalgia para fora, para que nunca mais volte. O que enfim é o passado?
Levantei-me da escrivaninha. Despertava então do delírio. Senti do primeiro osso pé, até a primeira vértebra da minha coluna receber um leve choque, erguendo esse corpo dormente. Em pequenos passou andou. Os sapatos mastigavam o assoalho, que a muito tempo não era encerado. Um dia talvez eu mesmo encere isso.
O fogo que ia do degrade azul para amarelo, esquentava a chaleira de um metal cromático. Espelhado a minha imagem ou a tua? Observei o meu e o teu rosto distorcido. Distorcidos como num quadro expressionista. Distorcido como sou, por ter em mim, assim, tão facilmente milhares de outros que não sou, que vivem se esbarrando e discutindo, incomodando o meu pobre eu. Ouve um suspiro. Ah, novamente o passado!. As cores não eram frias como em quadros fauvistas, mas deveriam ser. As cores do mundo são reais em excesso, quando se diz em tratar a realidade como a realidade é. Que situação alérgica. Assoviava a chaleira. O vapor embaçava os óculos. Fiz para mim café.
Da cozinha até a sala não tive muito o que fazer, apesar de haver inúmeras coisas para se fazer. Eu sempre acabo por não fazer nada. Passado me dá alergia, por não ter feito nada, ou por ter feito errado?
Da janela de adornos simples, por entre as cortinas. Era assim mesmo que eu via a realidade. Só um fragmento, um pedacinho. Somente a tua visão, nada de extraordinário. A Tabacaria do outro lado da rua. O asfalto molhado. Postes de iluminação. Um pobre-cão. Nada, além da minha visão. Aquilo que não vejo, onde está, o que é? É assim que vemos as coisas: somente uma fração do que elas realmente são. A lembrança é somente um fragmento daquilo que chamamos de passado? Logo só haverá poeira dentro do baú. Um homem será que vive só de lembranças? É de fragmentos, de pequenas peças, que se constroem... A Felicidade? A Tristeza? Se eu esquecer de algo, para onde isso vai? Para onde foi o cão?
Sentando na escrivaninha, ainda estava dormindo em meus delírios e o café já estava frio em minhas mãos.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Jovem Mnemos & Seus Pedaços

Papai me carregava feito um saco de batata pelo quarto, esperando que eu caísse no sono. Papai prometia carrinhos de bombeiros, policiais, lutadores, vingadores, heróis, rôbos para mim, mas eu só queria ficar acordado. É difícil ficar com os olhos abertos por muito tempo. Chovia muito. Fechei os olhos e acordei na minha cama com camadas grossas de lençois sobre meu corpo. Papai sempre exagera.
Mamãe contava histórias pra mim: três lobos e o porquinho do mal que comia um patinho que na verdade era um ganso, ou era a história de um porquinho que caiu num poço porque não queria tomar banho pra dormir?
— Mamãe, mamãe, não quero dormir!
Estava com calor, mas mamãe dizia que eu estava com frio. Não entendo, estou suando, estou pegando fogo. Mas mamãe dizia que eu estava com frio. Eu sentia muita sede. Mamãe não dormiu naquela noite. Eu não lembro muito bem do resto. Ouvi mamãe dizer no telefone para minha a dinda que tive eu convulsões.

Domingo, mamãe me acorda pela manhã. Me vestia com a roupa de ir à missa. Visitar vovô e vovó, comer macarrão do vovô, maionese da mamãe, frango d...
— Mamãe, de onde é o frango?
Mamãe colocou um peito de frango no meu prato.
Papai colocou o alface no meu prato.
— Você quer alface? — Papai perguntava.
— Não quero!
— Agora já é tarde, vai ter que comer.
Ai de mim, se eu não comesse tudo. Papai do céu não gosta de ver comida sendo jogada fora, já dizia mamãe, que segundo ela a mãe dela já dizia.

Vovô toma uma taça de vinho com papai e os dois assistem o jogo na TV. Vovó, mamãe e a mana lavam a louça. Eu brinco com a maninha, mas é proibido pegar os galhos pra brincar de espadinha. É proibido sair na rua, é proibido. Mamãe tinha medo, vovó não gosta de gritaria. É permitido subir na caçamba da caminhonete do vovô, pegar um cano de PVC, imaginar que tudo que nos cerca é apenas mar, mar em que pescamos tubarões. Sonhar que o cãozinho era golfinho. Eu juro que um dia eu pesquei um golfinho, pode perguntar pra maninha, ela viu, eu juro que ela viu.

Em casa eu podia jogar bola com a mana. Ela jogava melhor do que eu, nunca fui muito bom nos esportes mesmo. Mana jogava bem, jogava mesmo, fazia parte do time da escola. A gente quebrou o vidro da garagem, mas nunca paramos de jogar. Mamãe consertou o vidro. Quebramos de novo. Eu nem time tinha na escola. Na escola eu tinha o Rafa e a Claudia, que hoje não sei bem onde estão. Tenho saudade de brincar com eles. Mamãe disse que eu vou poder visitar eles logo, ela sempre diz isso.

Mamãe podia me colocar na bacia amarela e me dar banho. Não mãe, sem foto! Mamãe podia me fazer ovo cozido. Uma vez a maninha ficou doente, mamãe sumiu com ela pra algum lugar. Eu não podia visitar, também eu não queria. Papai cozinhava miojo com ovo, papai não cozinha muito bem. Maninha ganhou uma porção de presentes, inclusive um macaquinho que cantava a macarena:
— Ê Macarena!

Um dia acordei com uma ferida na mão, papai disse que foi uma baratinha tinha me mordido. Depois daquele dia sempre imaginei que existia uma barata em algum canto do quarto que eu não podia ver. A mana dizia que era uma lagartixa. Não acredito na mana. Ela dizia que eu não era mano dela também. Não entendo bem como a ferida sarou, mas sarou. Perguntei pra mamãe se eu tinha realmente sido encontrado na lata de lixo. Ela teve que dizer várias vezes até que eu entendesse.

Assistindo um filme com a família, o homem fala:
— Ou vai ou racha.
— Mãe, o que é o "vaioracha"?
Mamãe explicou, eu fingi entender. Não quero a mana rindo de mim.

Vovô me ensinou a jogar xadrez, dama e quarteto. Vovô jogava muito mais do que xadrez, jogava cartas também, jogava tudo muito bem. Costumávamos jogar quarteto. Eu, vovô, maninha e mana. Até que um dia se perdeu uma carta, uma peça de dominó, um peão. Nunca mais jogamos com vovô.

— Mãe, o que é o "vaioracha"?
Mamãe explica de novo.

— Mamãe quero ver o Rafa e a Claudia.
Mamãe não deixava, dizia que não podia sair de casa. Mas eu podia ir na casa da vó, e ir na missa. Mamãe vivia rezando do lado da cama junto com a vovó. Papai me trouxe dois presentes. Eu gosto de presentes, quando não são roupas. Um ingresso para o cinema e um boné vermelho. Gosto de azul, porque gosto do céu. Papai nunca acerta nos presentes. Mamãe briga com papai. Porque a mamãe sempre briga com os outros? Mamãe também briga comigo quando eu pulo no sofá ou na cama. Uma vez eu pintei o livro de colorir da maninha, ela também brigou comigo.
— Sofá é pra sentar, não pra pular !
— Deita nessa cama e sossega esse facho!

Mamãe parecia tão tristinha. Papai sempre tentava me animar.
— Como vai campeão?
— Bem.
— Melhorou da tosse?
— Sim.
Esperava papai sair pra voltar a tossir. Não quero dizer que não melhorei. As maninhas me traziam bolachas e chá. Cof cof cof.

— Mana!!
— Que foi?
— Me faz compania?

— Mãe! me faz um ovo cozido?
— Mas filhinho...
— Então me conta uma história...
— Qual história?
— Não sei, uma nova...

Tentei chamar a mamãe, as maninhas, o papai, ninguém me ouvia. Um moço muito alto, vestia uma roupa bem bonita, daquelas que os moços importantes usam. Me pegou pelo colo, me tirou da cama. A gente saiu pela porta da frente. Não tinha ninguém em casa. Ele me parecia familiar. Com uma foto que tinha na casa da vovó. Ele me botou no chão, segurou a minha mão. Saimos para passear.
— Moço, moço, mamãe não deixa eu sair de casa.
— Hoje ela deixou.

— Moço, você vai me leva na casa do meu amigo Rafael?
— Vou não, mas você vai gostar...
O moço sorriu.

— Moço, o que é o "vaioracha"?

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Diagnóstico ao Leitor

Caro amigo leitor, eu, eu que sou observador, tenho tempo em demasiado excesso pra reparar na vida dos outros (porém pouco interesse de observar a minha); por esse motivo, descobri alguns problemas do teu silêncio, da tua falta de Dor e de Volúpia, que são gêmeas siamesas. Essas duas é o que te fazem ter essa tua vida desanimada e desgostosa, por este motivo não és tu quem escreves e sim quem lê o que escrevo, mas afinal de contas, como não ler o que acabo por escrever?
Serei breve, segue aqui os teus problemas, que lhe causam outros problemas maiores de força e fator inexplicável a sua pessoa, como o fato de ler este diagnóstico:

Na tua coleção de relógios, que guardas no sótão de casa, em que todos eles fazem cucô e os pêndulos deslizam no ar vagarosamente - o que não é nada de anormal -, não existe um único que possua um ponteiro, o que para mim é um caso gravíssimo.
Nas tuas constelações não há estrelas, simplesmente esquecesse de pintá-las, ou de contratar um pintor, o que não é demasiadamente caro. Caso queira posso lhe passar o endereço de vários ótimos pintores que fariam o trabalho com prazer e maestria.
Mas o teu maior problema, coisa que me preocupa, é que não queres teus sonhos, tu os recusa, com a justificativa de não lembrar deles quando acorda.

O meu diagnóstico é que tomes chá de hoterlã com gengibre todas as tardes. Se possível (mas não é necessário) coloque um cravo. Recomendo que faça isso as dezessete horas, horário em que o sol se encontra em uma inclinação perfeita para que vejas desenhando no teu gramado o ponteiro das horas.
Aproveite também tal ângulo para extrair do sol alguns feixes, lembre-se de guardá-los em um pote de vidro, jamais em uma caixa de papel ou de madeira. Use os feixes para que tu possas pintar no teu céu alguns pontinhos luminosos para chamares de constelação.
Sobre o teu desprezo em sonhar, não se preocupe tanto pois, eu sei (pela faculdade de saber que sei porque eu sei mesmo), que ainda há de existir um sonho que tu realmente queira, pra te mostrar que tudo não acaba num ponto. Mas sempre em reticências...