terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Primeiros Delírios

Se lembrava do passado, de quando a vida era feliz. Não suporto quem vive no passado. A vida nunca é tão plena quanto numa lembrança. Revirava e abria baús velhos que só levantavam uma poeira fina e encardida. Que maldita alergia a poeira. Impregna nas ventas, que vontade tenho de expirar toda essa nostalgia para fora, para que nunca mais volte. O que enfim é o passado?
Levantei-me da escrivaninha. Despertava então do delírio. Senti do primeiro osso pé, até a primeira vértebra da minha coluna receber um leve choque, erguendo esse corpo dormente. Em pequenos passou andou. Os sapatos mastigavam o assoalho, que a muito tempo não era encerado. Um dia talvez eu mesmo encere isso.
O fogo que ia do degrade azul para amarelo, esquentava a chaleira de um metal cromático. Espelhado a minha imagem ou a tua? Observei o meu e o teu rosto distorcido. Distorcidos como num quadro expressionista. Distorcido como sou, por ter em mim, assim, tão facilmente milhares de outros que não sou, que vivem se esbarrando e discutindo, incomodando o meu pobre eu. Ouve um suspiro. Ah, novamente o passado!. As cores não eram frias como em quadros fauvistas, mas deveriam ser. As cores do mundo são reais em excesso, quando se diz em tratar a realidade como a realidade é. Que situação alérgica. Assoviava a chaleira. O vapor embaçava os óculos. Fiz para mim café.
Da cozinha até a sala não tive muito o que fazer, apesar de haver inúmeras coisas para se fazer. Eu sempre acabo por não fazer nada. Passado me dá alergia, por não ter feito nada, ou por ter feito errado?
Da janela de adornos simples, por entre as cortinas. Era assim mesmo que eu via a realidade. Só um fragmento, um pedacinho. Somente a tua visão, nada de extraordinário. A Tabacaria do outro lado da rua. O asfalto molhado. Postes de iluminação. Um pobre-cão. Nada, além da minha visão. Aquilo que não vejo, onde está, o que é? É assim que vemos as coisas: somente uma fração do que elas realmente são. A lembrança é somente um fragmento daquilo que chamamos de passado? Logo só haverá poeira dentro do baú. Um homem será que vive só de lembranças? É de fragmentos, de pequenas peças, que se constroem... A Felicidade? A Tristeza? Se eu esquecer de algo, para onde isso vai? Para onde foi o cão?
Sentando na escrivaninha, ainda estava dormindo em meus delírios e o café já estava frio em minhas mãos.

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