domingo, 29 de setembro de 2013

Penicilina

por sorte ainda vivo
voltou pra casa

o cadáver do marido

sábado, 21 de setembro de 2013

O Melhor Poema-Chato

da antologia poética do poeta-chato


sou poema
e falo de autores malditos
e de assuntos astuciosos

uma palavra inventada 
                                    aqui
                                           e ali
metáforas piores
                           pra você entender bem
                                     o que não sinto muito bem

isso pra esconder
minha forma desforma
             de alguém que 
                                        não sente
                                        nem pensa

eu sou o poema bendito
                          benditamente chato
e apesar da extensão de mim
sei que restrito
            restrito
            restrito
                       sou dentro de um poetinha

                       muito pior do que o seu poema.

Cogito


Observo o teto deitado no chão. No chão do banheiro, do lado do trono. Batem na porta. Me levanto e  me avalio no reflexo. Que porra é essa na minha testa? Cacete. Viro a chave, saio e entra outro como eu.

As luzes piscam numa intensidade que torna tudo aquilo vejo uma longínqua e demora projeção de imagens. Como um filme em câmera lenta. Se é através do corpo que sou apto a sentir a realidade, sendo que os sentidos podem facilmente ser ludibriados, como terei certeza de que estou vivo? Tudo parece tão demorado e meu coração querendo explodir. Me vem uma vontade irracional de bater no primeiro babaca; mas não vejo algum.

Eu observo um reflexo no espelho. Tinha sua pele rasgada mostrando metade do crânio, os olhos arregalados e estáticos (sem as palpebras não podia escapar de não olhar). Sorri com os dentes serrados, era mesmo eu, entre os dedos da mão: uma lâmina. Com ela faço um corte na horizontal, no lado esquerdo do pescoço, que se abriu como um flor. O calor escorria pelo meu corpo. A visão se turva.

Passa por mim um babaca desesperado, como quem esta para se mijar. Perco-o de vista, mas vou até a porta do banheiro supondo que estava realmente apurado. Dou-lhe um soco na cara, que o faz cair batendo a nuca contra o chão. Olho-o e, talvez não seja o tal. Outro babaca chega correndo. Ele bate na porta. Ninguém responde.

Abro a porta, o banheiro está desocupado. Fecho a torneira que estava aberta. Na pia está a lâmina e a idéia contida: voltar ao inorgânico, à inércia. Tá ocupado, porra! Não enche!

Um ruído vai aumentando, aproximando-se, elevando-se de altura. Ossos ritmam contra a porta velha, trancada. A maçaneta faz seu inútil movimento. Os graves me invadem, rastejam pelo meu corpo, atravessando-me e saindo de dentro pra fora. Um grito afogado no vermelho. Não tenho mais corpo, ele não existe, muito menos possuí forma. Existe, e tem essa e outra forma, no sonho e na.

Antes do fim: o começo.

O idiota me olha do outro lado da porta.

Há um recado no espelho do banheiro, mas não consigo ler, as letras estão borradas dificultando qualquer tentativa de decifra-lo. Pode ser uma frase idiota, mas gosto de pensar que é um bilhete suicida, afinal alguém sempre morre e até uma frase idiota pode ser um ultimo recado. "Alguém morre",  é uma coisa tola para ser prevista. Uma coisa tola, que não preciso ver para acontecer.

Era como se me atravessassem e dividissem ao infinito. Como é estar eternamente morrendo? É como nada, nem pode existir, mas existe. Já estamos a todo instante morrendo, e nem sentimos também. Com todo tempo do mundo, abri um sorriso, saboreando-o como que pela primeira vez. O mundo não queria minha atenção e não me distraía; eu existia, diferente dele.

Abri a porta do banheiro, não havia ninguém. A torneira estava aberta, fecho-a. Para remediar o fedor, dou a descarga. Tudo parece tranquilo. Vasculho abrindo gavetas, encontro finalmente. A luz oscila.

Existo, ao contrário dele. Existo, mesmo que seja ele quem sou.

Caio lentamente até encostar no chão, o impacto me faz fechar os olhos como quem dá um mergulho. Observo meu corpo tentando se manter firme, parece não aguentar. Cai de joelhos (parece que está) implorando para que eu volte ao meu lugar, mas é tarde. O teto do banheiro não tem forro e não é mais problema. Meu sangue limpa o banheiro sem problemas. 

Com a gilete na mão, abro um caminho em meus dedos e com aquilo que escorre, escrevo meu ultimo recado ao espelho. São longas e entediantes, as despedidas.

Destranco a porta.

Dentes metálicos rompem e a morte delicia-se com o descontrolado fluxo, apaga-se num suspiro, dilata-se as pupilas. Marcha a erupção lenta. Se contraí, murchando sem rapidez.

Estou correndo, não sei para onde. Estou correndo. Há uma luz muito fraca, trepida em intervalos irregulares, dá pra ver alguém na distância, tão longe que parece um anão. Canso e paro de frente à uma porta lateral, aberta. Alguém esta lá.

Guilhotina

inflou-se a caixola
e a casca ressequida
deixou os miolos soltos

corpo diminuto mal se avistando
pernas tamanho de época
braços afunilados em história
são eles força de trabalho de quem?

exploração feliz
lucro faminto
muita teimosia
é escrever bobagens

bonito este poema
talvez nunca leiam

nada importa

só a influência das estações
que me trazem alergia
o inverno atual me lembra o verão

mas esqueci

foram extintas as estações

agora só existe tempo
mas não se sabe desde quando
sabe-se do resto
de uma possível esperança
de descanso em fuga

aproveito senhores (e senhoritas)
para anunciar que no oitavo dia
como protocolado ao título
desligadas serão as cabeças do corpo

esqueçam isso

avancemos com cavalinhos de pau
empunhando ferros
componham um hino
façam um quadro real
de todos os jegues em nós
as margens do rio tiête

se não tiver dentista até irei comparecer

não indo ao meu dever fui preso no quartel
entendia-se que marchava irregularmente
minha perna de pau é um alazão
(a outra segue religiosamente a época)

perdi

perdi
o direito à caneta e papel
mas continuava desenhando
nada em particular

somente cabeças tamanho GG

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Daniel e seus amigos imaginários

todo dia levanta
olha pro chão
o relógio tic devagar
sai na rua esperando não ver ninguém
os sonhos são seu único salvador
todos falam como fitas que foram gravadas
fitas que ele mesmo gravou
enquanto espera o tac
o desespero bate na sua cabeça
ele deixa entrar e sentar no sofá
o desespero acende um cigarro
de repente ele se sente cansado
eu me sinto cansado
a sala fica suja
o amor lateja
outro blues de outro homem desesperado
e as notas fantasmas pintam o céu sem cor
não há conforto na vida de um desesperado
talvez aconteça algo que deixe tudo melhor
que faça todos feliz
a sorte se foi
mas não fique tão triste
se recomponha
eu sei você está cansado
não importa
não importa
eu sei que doí muito mais do que antes
mas continue dando murros em facas
esvazie o vazio do peito
que não precisa ser ouvido
só precisa cantar e gravar
falar por todos nós
tudo bem?

Delírio Infante

eu a conheci no pátio da igreja
no estacionamento fomos casados
nessa época eu imaginava trabalhos
desenhando um futuro diferente

nosso filho, sarnento,
tinha cara de cachorro
e pulgas de estimação

ela se foi
num Uno branco
sem me dar um beijo
(só um discreto aceno)

nunca mais a vi

nos inquietantes dias de febre e calor
minha imaginação resgatava-a
empalada carinhosamente no hidrante
entre rabiscos das carteiras da sala

meu primeiro amor.

domingo, 8 de setembro de 2013

Poesia

O sal do mar
Nos olhos dos dorminhocos

O vento nas velas
Que sai da boca do menino

A pomba que não mofou no balaio

Aquilo que sem aparente motivo
Sem mais nem menos é

Dias de chuva

Tirando os dias de sol
nunca parou de chover

olhos rotineiros
todos são anônimos
nessa estranha familiaridade

Aqueles ali
dançam na chuva
de olhos fechados
sem guarda-chuva
desafiam os inseguros
e os conselhos-de-mãe

sei que é insensato
mas é preferível ir para casa
será longo o dia amanhã
como despedidas costumam ser

Bom dia!

Narciso

nunca tive certeza de quem era
apesar das fantasias denunciarem
esperei você me perguntar
e todos em mim responderam erroneamente
(menos eu!)
os espelhos me negavam a imagem
mas com o indicador firme em mim
entendi que sabia a resposta
era tão óbvio
estava escrito na minha testa
tão óbvio
idiota

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Educação

Os tapas que levei um dia
Não revidei por fraqueza
Mas me enganei ao dizer
Que seria diferente de você

Hoje guardo teus tapas
E dou eles a outros

Catequese

O retrato de Maria
segurando Jesus
me julga culpado

a consciência
é inafiançável
no Inferno