quarta-feira, 22 de junho de 2011

O Meu Pequeno Príncipe

Vou contar para vocês a história do meu pequeno príncipe, que diferente daquele que encontrou o aviador no deserto da África que era: pequeno, magrinho e loiro, o meu pequeno príncipe na verdade é balofo, de cabelos grisalhos e também pequeno (somente de estatura, afinal tem coisas que os olhos não conseguem ver e os números não conseguem medir) e não sei como, sempre esteve comigo.
Também vou lhes contar que ele era um homem desses que procurava qualquer coisa, simplesmente parar de procurar era um incômodo (assim como para os adultos que pensam que vida é uma equação matemática de "Tempo = Dinheiro") mas ele não era um desses, ele só procurava coisas para cativarem ele, foi por isso que ele pegou o primeiro navio que pode, e acabou chegando por estas terras, encontrou reis, beberrões, acendedores de lamparinas, empresários.
O mundo é muito grande, ele sabia disso, mas andando com seus pés, pouco lhe importava, afinal o tempo (naquela época) corria devagar, e ele também não tinha pressa. Um dia enquanto caminhava com seus pés, encontrou um novo lugar, um lugar para que ele podia chamar de seu, plantou uma rosa e tratou de cuidar muito bem dela que viria a se tornar sua filha, e tratou de plantar mais rosas que seriam os seus netos, e essas roseiras não precisaram de muito para cativar aquele pequeno príncipe, confesso também que do mesmo modo que as roseiras cativaram ele, ele também havia as cativado.
Acho que foi em um dia exaustivo, depois de ter se reunido com todas as suas magníficas roseiras (que o cativam até hoje), que ele resolveu voltar para a sua estrela... As vezes, eu procuro ele com o simples ato de olhar a noite para o céu e imaginar a estrela em que ele está, uma estrela que eu não posso ver (assim como vocês não podem ver o quão grande e imensurável ele foi) e imagino ele muito feliz com o seu jardim, me esperando para tomar um chá, andar de bicicleta, jogar xadrez ou até mesmo um quarteto.
—Não é mesmo? eu me pergunto.
—Com certeza, meu netinho. Responde ele, naquele mesmo tom risonho, do jeito que só ele sabe fazer, naquele mesmo tom que sempre me cativou.

Os únicos que conseguiram ouvir essa conversa  são aqueles que conseguem ver no desenho de um chapéu, um elefante dentro de uma jibóia.

domingo, 12 de junho de 2011

479 folhas amaldiçoadas

Me apresentarei aqui nesta página em branco, na qual eu insisto em sujar novamente como Andrei, mais saiba já de primeira mão que este não é meu nome real, pois o motivo de sujar estas folhas está directamente relacionado a minha vida pessoal, e se vocês soubessem meu verdadeiro nome, já associariam com o meu primeiro — e talvez ultimo livro —, também não citarei o nome do livro, este livro que só me trouxe problemas. 

Lembro de acordar naquela quarta-feira com a idéia, que permaneceu fermentando na minha cabeça por meses, essa idéia me agradava, e como me agradava. Conversei com muitos sobre essa idéia: amigos, filósofos, outros escritores e todos eles concordavam que era um assunto delicado, que poucos haviam ousado em escrever sobre. Não pensei duas vezes, comecei a escrever, a troca de informação que tive com meus colegas me serviria de suporte, apesar de que a maioria das opiniões talvez não fossem verdadeiras, acredito que houve certas omissões, no fundo penso que eles não queriam me desapontar, mas mesmo assim faltou-lhes a sinceridade... ou talvez o problema não fosse esse, talvez fosse culpa minha que não soube "fermentar" da maneira correta aquela idéia. Mas agora pouco importa.
Em menos de oito dias, eu já tinha terminado de escrever o livro, quatrocentos e setenta e nove folhas de pura maldição, as trezentas primeiras impressões do livro, eu paguei com o dinheiro que me sobrava da herança, para minha —breve— felicidade eu consegui vender todas as edições, poderia dizer que minha obra faz uma continuação do livro Utopia, só que diferentemente desta obra meus ideais era muito mais palpáveis e simplista. Era o sistema perfeito, mas o ser humano tem a sua índole suja pela ganância, pelo dinheiro, pela inveja. Os trabalhadores interpretaram a obra como um insulto — os pobres coitados, mal sabiam ler, interpretar o livro seria impossível, e foram manipulados pela igreja para terem um visão distorcida da obra —, os burgueses acharam um absurdo pois teriam que abdicar de suas luxurias e de toda a sua extravagância.
Havia se passado mais do que duas semanas após a venda de todos os livros, era uma noite de sexta-feira ou sábado, não consigo me lembrar agora, quando cheguei em casa cansando, encostei a mão maçaneta da porta que já se encontrava aberta, acendi a luz e percebi que haviam arrombado a casa, roubado tudo — do pouco que eu tinha — e quebrado o que não conseguiram levar. Assustado, corri para o vizinho, bati inúmeras vezes na porta, como um verdadeiro demente, e mesmo assim o maldito demorou para abrir a porta, perguntei se ele havia visto o que acontecera, mas não houve resposta, além de um "vá embora! você fez uma grande confusão por aqui, vá embora..." não tive tempo para contestar, o vizinho já havia fechado a porta.
Nesse momento me veio uma outra idéia, exactamente como surgiu aquela de escrever o livro, porém  esta já se encontrava pronta. Abandonei minha casa, levando apenas alguns documentos e umas poucas lembranças dentro de uma maleta e alguns fósforos. Corri até o armazém onde estava a rústica máquina de impressão, arrombei o cadeado, entrei silenciosamente, busquei a versão original do livro escrita a mão por mim, coloquei na maleta. Peguei o diesel que era usado como combustível da máquina e espalhei por todo o armazém. Enquanto espalhava diesel pelo armazém, entrei em um devaneio sombrio, de que minha maldição fora ter aprendido a escrever, quem dera nunca ter aprendido a escrever, cheguei ao ponto de amaldiçoar-me por ter acordado naquela quarta-feira e ter tido aquela estúpida idéia, naquele momento eu desejava ser somente... somente mais um, para não ter que vivenciar isso. O combustível havia acabado junto com as minhas divagações.
Já fora do armazém acendi um dos fósforos e joguei na poça de diesel, que seguiu o rastro com uma grande voracidade, que em poucos segundos engoliu o estabelecimento, a chama negra do meu ódio, ódio da minha espécie, que não era capaz de assimilar uma simples idéia, que não era capaz de mudar, pelo simples fato de que todas as mudanças foram feitas pela ganância e pela inveja. Inveja e ganância, dois malditos combustíveis desta miserável raça, e tudo vai terminar assim: em chamas.
Não vi o fogo queimar tudo, pois haviam mais coisas para serem feitas, eu ainda tinha que descobrir uma forma de fugir, e a melhor maneira seria de trem, mas a noite eram poucas as opções, e não me levariam muito longe. Além disso meu dinheiro era curto, e eu não podia confiar em ninguém naquele momento.

Queridos leitores, é assim que termino minha história, não posso termina-la de verdade, muito menos continua-la pois acabaria contando onde me encontro neste exato momento, entre outros segredos. Esta pequena história serviu-me apenas de exercício, para de aliviar-me dos monstros que guardo, aliviar-me das dores que sinto. O que posso fazer é explicar-lhes alguns ocorridos; pouco depois de fugir descobri que haviam matado minha irmã, a minha sobrinha e o seu marido, outros primos meus também sofreram, tiveram os filhos assassinados, as esposas abusadas, boa parte dos bens confiscados. Os malditos certificaram de humilhar todos os meus entes, além de terem queimado todas as impressões do meu livro. A mão amaldiçoada que segura a pena, é mesma que enxuga os prantos do meu rosto. Eu preferia estar morto, do que estar escrevendo neste momento.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Saindo do Safári

Minha casa
 virou uma savana;
girafas na sala-de-estar,
leões cozinhando o jantar, 
zebras deitadas no sofá, 
mas um dia irei
sair deste safári.

Me safarei.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Auto-Retrato

O rosto era pálido, as únicas expressões que possuia era de vencido pelo tédio, pelo conformismo. Sua vida era feita de derrotas, cheia de culpa, do amargor da solidão, e isso refletia no seu olhar desesperançoso, um olhar taciturno e melancólico de que já havia perdido tudo que mais estimava, os lábios secos pareciam costurados por dentro da boca que o mantinha calado como um cadáver, um silêncio mortal, mas que não podia abafar o seu rosto que gritava com muito sofrimento cada chaga dentro d'ele.
Era o rosto de quem tentou inúmeras vezes e não conseguiu, e que finalmente se admitiu como fracassado. Derrotado, aprendeu a viver com isso, aprendeu a viver na penumbra, escondido como um maldito figurante ou observador de outras vidas, já era o próprio verme que rastejava no humos.
A face entrou em metamorfose, sobre o rosto cansado e doentio, viu-se florescer a sombra de um cadavérico ser, os traços profundos, sem vida. Naquele homem, ser ou recipiente mecânico não havia alma, não havia sobrado nada que parecesse humano.
Levantei-me da minha cadeira, admirei a tela que eu acabara de escrever, fui apressado até minha alcova e me olhei no espelho, era real demais por isso talvez mais assustador, eu acabara de pintar com palavras o meu auto-retrato.