quinta-feira, 24 de novembro de 2016

a borboleta de hiroshima
dura tanto um dia
quanto a eternidade

átrio vida teatro

sou o fantoche de krishna
pelos fios do livre arbítrio
hipócrita com razão
pelos olhos do menino

haikai

queria escrever em kanji para que um pássaro fosse pássaro
como uma rocha é uma rocha é uma rocha é uma rocha
e voe como led zeppelin mas não é mesmo que fleurs du mal

domingo, 13 de novembro de 2016

domingo distinto

acordei brega como um homem de trinta
trinta moleques no corredor no ostracismo
desenhando com palavras garatujas
repetindo todas conotações da palavra tempo
deixando o paletó de poeira jogado no chão
eles se divertiram botando o vinil no bico do pássaro azul
fora do peito gaiola pentearam as ondas tristaídamente
observaram o decote das nuvens uma releitura de modigliani
na cama não sobraram fio para marcar a pele-retrato
cortando do lápis o grafite esboço que não se extingue

Delirium... e agora é contigo.

Estava na aula de psicologia, ao que foi explicado o que é um delírio. Conceituo: "crença irreal mantida com grande convicção." Que dizer da religião, então? De que existe uma ordem invariável nas coisas, um grande Criador, em meio ao caos e desordem, sentido? Acredito afetar similarmente áreas correlatas do cérebro, pois que somos desenhados, alinhados, coordenados neurologicamente para reconhecer padrões. Padrões são o que distinguem uma onça da folhagem em que está imersa, salvando assim a vida para que possamos nos reproduzir e garantir a sobrevivência da espécie. Mas isto também não seria uma crença? A crença em alguma forma de "survivalism", ou sobrevivencialismo? De que tudo gira em torno da sobrevivência... Pois bem, dizem os místicos que tudo gira em torno da vivência! Celebrar o que é estar vivo, independente de perpetuar a espécie, ou não. Viver em torno de alegria, prazer, opiáceos... Me parece mais agradável, e mais simples, bem como mais natural. Mas porque há de se ter uma ordem natural? Que é ser natural, afinal? Existe uma ordem? Isto é delirio. E viver não é uma febre, um delírio? Somos todos delirantes, não, afinal? Conheço as diversas paixões, compreendo o que sentem os outros quando não estão em si, sóbrios, MORTOS, e isto, diria, é delirar. Delirar da normalidade, sair do real, esquivar-se de sentir a dor que é EXISTIR, para poder, sentindo alguma vontade, transferindo um pouco de Vontade às coisas, SER.

"Let me be here, with you, tonight...", suspirou a moça, ao que abraçava, timidamente, seu querido, e era surpreendida com o abraço mais quente que já havia conhecido, nesta vida...

...e assim, meu querido, você que lê, seguimos vivendo, felizes, ora tristes, mas sempre, sempre, sempre!, tentando... E eu diria, que é isto que importa, realmente.

"What if I can't? ...what if I can? And what if I'm just an ordinary man..." -- a angústia, que nos aplaca, requer que sejamos abraçados, meus caros.
Não consigo viver sem ter você, meu amor. É o que eu te diria, olhando-te nos olhos, neste dia de hoje, enquanto lágrimas se acumulam por meus olhos, e escuto esta música que me recorda momentos que nunca tivemos... Eu estive tanto errado, ao que estivemos tão corretos, e por isso clamo, peço teu perdão, mas que aplaque meu coração. Pois se eu estiver errado, esta noite, me corrija... Não deixe este momento passar.

Uma ligação... Da memória, um lapso. Uma conexão, livre-associação, e daí seguimos em frente.

Aoooo! Uivou o lobo da estepe, enquanto corria livremente por entre planícies nevadas, e se despedia do que lhe corria pela pele, através do vento; o passado, corria do passado, rumo a um local onde pudesse experimentar o presente. Da planície, as neves, os pinheiros, enquanto corre, todas ofereciam uma vista a ser explorada, mas ele não ligava, seguia, como se o secundário a seu objetivo não tivesse poder de lhe atrasar. Seguia, como quem corre atrasado, para acompanhar o fluxo do tempo. Delirava de febre, mas não uma febre doentia, e sim algo que não podia ser explicado: fervia nele o ardor, uma espécie de "longing", um desejar profundo e saudoso.

Corre!

Fluxo

Do fluir. Chegar, ir e vir.
Por quê escrever? Aplacar angústias.
E trabalhar? Foco.
...impressões do inconsciente.

Não o fluxo constante de uma inconstância geminiana,
o lapso profundo de um áries que perdeu seu fim,
ou a contemplação ponderada de virgo que morde a sua própria cauda.
Não,
apenas um complexo contradito pisciano.

O que vos fala.

fabula sem uma moral

Bukowski não passava de um punheteiro
mas um aperfeiçoador da arte digno de maestro
verossímil como dizem as línguas com mel
fosse o que fosse ou por ai até o que fingia ser
devia ao menos uma nesga aos cotidianos brochas
que se entopem do erudito diga panaceia
ou mesmo da falácia não há fogo
há uma mata num incêndio um prédio inteiro ardendo
tentando alcançar o céu e todos os bombeiros do mundo
com seus baldinhos até o topo de água não sabem o que é sede
os helicópteros cercam e delimitam a área mas nada ocorre
mora ainda num lugar muito estranho
aquela segunda personalidade que almejava a perfeição onanista
não consta em nenhuma enciclopédia
na ponta do iceberg vai ouvir a extinta consciência
deslize vai coisa que não seja o picolé
infame bracelete que impeça as peripécias
dos coelhos sortudos sem patas ou de suas orelhas em cartolas
exclamam onde está sua sorte agora
então você cai os olhos sobre um verso do velho
para voltar a se sentir como a raposa atrás da uvas

inominável

a via láctea derrama vida na terra
do pó viestes e do pó retornarás
é ilimitadamente breve afogar-se

terça-feira, 1 de novembro de 2016

estudo erótico

I
contemplando a fauna azul e dourada
flores por onde dedos perpassa cabelos
cheiro primaveril do esforço alimenta
o chumbo dos modos delicados
ter por completo a fornalha dos teus lábios perolados
fogo imutável
queima o excesso de calma
deleite
do amargo sabor de mercúrio
revolta das vinhas maduras
destilado dilacerante
inebriado instante desejoso
banhado teus pés desfazem da areia círculos
soníferas embarcações em recifes
pende-se algas forma-se vagas
resgatando óleos cérulo marinho
recôndito da lua
mormaço

II
arde
sol pálpebras irradiando a flor tesuda
como favos de metálicas carnes
pela entrada dos dentes portões
entreabertos da morte a palavra
mordida afrodisíaca da vergonha
medida morfina e strip-tease
que esparrama pela cama
seios como o sax a surdina
cortinas de veludo
desejo a todo instante
lençóis travagem melada
pela saliva adocicada
colisões de rochedo incandescente
com a idade do terra
haverá um novo diluvio que exterminará tudo
após será vida

III
na ilha ainda não cartografada
nós retornaremos ao pó
a via láctea fecunda com um bang!

tempo da colheita

é tempo da colheita
dos frutos suculentos da paixão da polpa adocicada
maduros da amarga espera dentro do vasilhame impúbere
morder os frutos doces e podres da melancolia geométrica
de olhos e dentes separados em éter como brotos de um vaso
bocas de cinzeiro servirão para nova palavra cinza que retorna
a carta suicída ditada de que não fui responsáveis pelos atos essa essência
o signo pélvico em moto perpétuo coberto como uma bicicleta fazendo música
as pernas como se fossem alicates tortuosos presos como ancoras
apague as luzes me arraste para debaixo das tuas renegadas asas e diga olá para nunca
a escuridão que tece teus lábios tão perto tão cego quanto uma aranha bêbeda
primavera no peito seco onde apenas o oco pode arpejar acordes bizantinos
meus lábios retem em película o gozo das luvas brancas brancas
a mão desenhando na areia dos cabelos a vigília o sonho a vida
os pés na farinha da cordilheira espinhal a epiderme arredia
narizes azuis da bebedeira deixarão saudades cantaremos o fado dos marinheiros
amantes sem braços de forte ligas de cromo na forja tempestuosa
passantes eternos da luxuria e eterna fome algo que coube afogar na banheira
de quem deve mais que um beijo um suspiro anterior a entonação tônica do amado
houvera o tempo esse tempo aquele tempo acola tempo e desdem
porque o pulso forte das horas já faz passar do tempo o fastio da espera
colhemos os frutos esculpidos em minero de núpcias o enigma em forma de face
temos ainda as pernas soltas como as baratas que se arrastam para fora
estamos na primeira ilha revertemos a criação não temos o instinto burguês
metáfora rasa é tempo da colheita de metáforas vazias e fáceis
que desenterram homens feitos em argila que num sopro
se desmancham sem sobrar mais nada
todas as costelas para poder respirar por outra boca
seguro meu prazer como tem as rédeas do puro sangue
fica por mais até do absinto sorver nossos sentidos
o campo verdeja de sintaxes imaginando a infância