sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Tubarão ¹


           Babe,
 Eu sou um chordata mal-encarnado
   (isso explica os pedaços
      que te arranco)

    Por isso,
      mudei-me para o fundo-do-mar
  (no Edifício Recife-de-Coral Fastígio nº 72)


                 Me livrando dos domingos
        — e das segundas-feiras também! —
                       afogando o relógio de pulso
               juntamente com o calendário



        fazendo da praia os sete dias da semana
           e do mar as minhas horas
    (cada grão de areia vale mais que cada segundo)
                    nenhuma onda é igual a outra



   Eu sou um chordata mal-encarnado
  e será um imenso prazer
                  lhe morder por inteira.


¹  Não é de cunho ou intenção cômica ou non-sense que a editora optou por esta nota. Até meados do século XVI, os tubarões eram conhecidos pelos marinheiros como "sea-dogs". Como se pode notar também existe uma novela de um autor norte-americano (cujo o nome me correu ligeiro), o livro se chama The Sea-Wolf, alusão clara a palavra que da titulo a este bravo poema, porém a palavra portuguesa "tubarão" e o termo "tiburón" que são ridículamente semelhantes (o que diferencia é o nacionalismo, porque um português pode entender um "tiburón" e vice-versa), em ambas as línguas a etimologia é incerta. Durante o século XVI, em decorrência das navegações dos espanhóis e portugueses por águas tropicais, muita literatura sobre a diversidade e quantidade desses peixes acabaram por atiçar a imaginação, popularizando ambos termos na Península Ibérica e posteriormente, o termo tiburón foi usado, sem tradução, em livros em francês, alemão e inglês. Não se sabe ao certo se foram os espanhóis que tomaram uma palavra caraíba e cunharam o termo tiburónou, ou se foram os portugueses que criaram tubarão a partir de uma palavra do aruaque. Outras fontes apontam a origem tupi-guarani através do termo uperú (ou iperú) com a aglutinação de t- inicial, originando o português "tubarão" e posteriormente o espanhol "tiburón". Querendo ou não, acaba sendo apenas uma questão de patriotismo, que sempre dá um tom non-sense.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Devaneio nº2

...Fechou o livro. Fechou o livro porque não aguentava mais se ler naquele personagem de quarent'anos. Não queria admitir, que era igual a ele. Igual, tirando somente pela idade pois podia escrever a lira dos vinte anos tranqüilamente e ainda morrer jovem como um escritor do mal-do-século. Ele era idêntico ao protagonista. A gana de escrever, a sina de quem pensa em demasiado sobre se o tempo vai estar bom amanhã para se deitar na grama e observar as nuvens por trezentos e cinqüenta mil anos luz ou um pouco menos, de quem observa entediado a paisagem do por-do-sol ruir-se do laranja ao roxo noturno estampado de estrelas cadentes, de quem acha que a vida é um teatro mal ensaiado e com textos horríveis, uma incrível farsa de atos pensados por um arquiteto ou roteirista que também carrega o mesmo fardo. Sentia raiva por alguém ter a ousadia de escrever tal coisa. Fechou o livro. Levantou da cadeira. Hesitou. Não fez revoluções. Estava incomodado. Incomodava ser apático e não ter nada pra contar, não transgrediu nada, foi apenas o que foi: nada. Estava acomodado assim, até porque poderia muito bem inventar a própria história. Foda-se! Foi para cozinha, queria comer, não sabia o que, mas queria comer. Talvez uma fruta. Banana ou tangerina? Pão com margarina? Existia um pensamento compulsivo de que alguém estivesse escrevendo a vida dele. Não pode existir um autor que escreva dessas coisas banais, dessas tolices da rotina; o apagar e acender do interruptor, o abrir e fechar da porta da geladeira, a chaleira borrifando fumaça, o açúcar caindo como nuvem no café preto que está girando com os resquício de movimentos duma molécula instável. Nada está parado, e existe a loucura de dizer que sim, está parado. Cada mínimo passo à esquerda estava sendo grafado numa página por letras. Assim como ele fez: deu um passo a direita, acreditando ter burlado algo divino. Basicamente a vida dele já havia sido escrita, já tinha um ponto final (só ele não sabia). Ou estava vivenciado algo que estava sendo escrito, mas, que o autor deixou um tempo a deriva e fora tomar uma cerveja com Augusto e dar uma risadas com o velho amigo, também escritor, ver se assim resolvia esse impasse chato (definitivamente não sabia). Se jogasse cartas provavelmente nunca iria ganhar, a não ser que estive pré-destinado a ganhar. Talvez a história dele não fosse sobre ganhar, e, sim sobre perder, ou desistir de ganhar. Aprender a perder? Nunca havia aprendido nada. Existiam lições de moral que havia ouvido em fábulas contadas pela a sua avó materna, algumas que leu em livros de contos empoeirados que ficam escondidos em esquinas da biblioteca, mas nenhuma era palpável, eram histórias absurdas como sonhos. Fosse a história dele uma fábula, um sonho. Talvez.

Sabe, deve existir uma razão secreta, que desconheço, pra aquela garota de olhos ciganos sempre sorrir pra mim, sempre dizer, "vamo combinar de sair", e, sempre que eu ligo tentando marcar, ela nunca aparece. Deve também haver uma conexão entre este calçado que eu estou usando e... e... as bandas que ela ouve. Ela só deve sorrir pra mim por causa do meu cabelo, ou da minha cara de sono. Se for isso ela atua muito mal nesse teatro de gestos e palavras dissimuladas em verdades de um querer escondido. Tudo deve ter uma ligação primitiva, que é além do evolucionismo, além da lembrança afetiva. Uma memória genética adquirida de uma planta que comi na infância, planta esta que em outra vida foi buda. E se tudo for imaterial e estiver vagando entre nós, só esperando alguém entrar na sintonia, como uma rádio FM. Talvez esteja fora de área.
Eu gosto de cinza, afinal, sou uma pessoa realmente triste? Cinza lembra tristeza, né? Cinzas são cinza e Vermelho é fogo, brasa, certo? Se eu jogar um dado neste momento, alguém já sabe o resultado antes de mim. Será que apostam em mim? SERÁ QUE ISSO É A DIVERSÃO DE ALGUÉM? O acaso não existe, então, a ciganinha nunca vai sair comigo até que algo mude. Mudar o que? Não temos nada. Talvez eu devesse parar de chama-la e usar uma camiseta vermelha no sábado. Não adianta mudar e os outros permanecerem iguais. Eu preciso mudar os outros. MUDAR. Voltou para o quarto, sentindo raiva. Sentia raiva porque alguém escreveu que ele deveria sentir raiva. Pegou uma carta do baralho e jogou pela janela o coringa. Recomeçou a ler o livro. Fechou o livro. Abriu o caderno, começou a escrever: Fechou o livro...

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

(inverno)
                       
                          de ti surgiram retratos
                                                        que não se apagaram 

(nublosa
 manhã)           
                                                                          você partiu
                               choveu de mim as tuas cores
                 

(verão)
                                                       as gotas secaram
                                                                           formando rastros



(ao longe)
                                                                                transforma-se 
                                                                        vento em suspiro
                                                   teu suspiro em
                                                                     rosa dos ventos


   meu destino:
    o acaso
                                                   
                                                              teu.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Hoje andei de bicicleta


           porque é domingo e nada dá para se fazer
                                              além de convidar você para sair


                          É normal que recuses o meu convite
                                                                afinal hoje é domingo e nada está aberto

                                                   a não ser o shopping 

                                  Fora disso
                                             nada está aberto

                  além do meu convite.

                                                         ***

                                                    Que culpa tenho eu
                                                                se pedalei em falso

                                             e desci ladeira abaixo


                              — Este poema não tem freios, mon amour —


                                                                          O semáforo está vermelho pra mim
                                                  A rua é uma roleta russa

                                  que

                                                                       Atravessei sem olhar!


                 Num buraco:
                                       cai...

                                                                                                                                     o teu asfalto beijei

domingo, 5 de agosto de 2012

Quando te abraço

eu fecho os olhos
pra parar de pensar
e começar a sentir.

Sentir teu coração
batendo no meu.

Estranho,
esse não-sentir nada.

Será que o meu coração já é teu?

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

O Beneficio do Lento Andar

Tenho costumado notar desde de séculos passados, iniciando meus estudos na revolução industrial, uma crescente preocupação dos homens na velocidade, na mecanização dos movimentos. A percepção de tempo sobre os homo sapiens sapiens tem se distorcido vertiginosamente assim como os passos tem se tornado cada vez mais vorazes, o que enfim reduz o tempo para se deleitar e gozar dos pequenos prazeres da vida, que é demasiadamente curta e longa (depende de quem sabe aproveitar). Já não se é mais possível aproveitar o tic-tac ritmado do relógio de corda, o tuc-tuc da palpitação cardiáca, o prazer de encher os pulmões com oxigênio, sentir nos auvéolos cada partícula de ar, a língua úmida nos dentes, a terra empurrando contra as nuvens, o esqueleto sustentando o corpo-invólucro. A vida que bate e rebate contra o rosto e o vento frio que é estático ao corpo.
Para sairmos do vício que é a vida moderna em si, que nos prende ao ritmo sincopado de engrenagens à combustão, ou o frenesi anfetamínico dos problemas-sem-solução que temos que dissolver. A agitação moderna nos faz dispersar, esquecer e desprezar os sentimentos únicos, únicos porque apenas eu posso sentir como eu sinto (e isso não se discute, a não ser que você seja uma parte de mim, ai, talvez poderemos entrar em um consenso democraticamente falso).


   Primeiro passo; é mais difícil, pois é preciso que seja feito lentamente.
MAIS DEVAGAR IDIOTA! 
MAIS DEVAG...

         
                  Não se deixa levar pelos outros,
                                                                                                        observe o céu
 cristazul-celestial, 
                                 a textura do chão granuladíssimo,
os rostos velhos de amanhã de manhã.

Aproveite.

          Observe como uma máquina fotográfica.
                         Pense no agora,
                 no que está vendo,
                             que seja em forma de poema-ensaio,
                       prosa sátirica, 
          filosofia macarrônica.
Encha a taça-encefálica
até transbordar.


                                              Segundo passo; deve ser dado após o termino do primeiro.
É necessário concentração.
COM SEM TRÁS nÃO
             Deixe que a corrente de lhufas, carregue tudo.
                                                                                               Pense,
                                                                                         pense, pense...
                                                                            e sinta cada pequeno esforço
                                                                   que seu corpo faz pra movimentar o dedo
                                          indicador do pé esquerdo.
                                                   Aqui é desnecessário ser ou estar.
                                                                                                                     


Terceiro passo; aqui voltamos para o pé que iniciou o primeiro passo.

   Uma visão
         contemplativa
   sobre a paisagem,
   proporcionando à surrealidade
         do que se encontra parado e do que se move.

      O estático não é estático, porque o que está parado é o que está se mexendo.
                              Nem a própria-sombra está parada em relação ao seu projetor.

                                                 Há quem nunca pare de correr e continue parado.

                     Perceba que a cada passo temos uma nova cidade, uma nova sombra por trás da luz, um novo silêncio diante do barulho.
                           Um velho pensamento novo, que se recria em jardins caleidoscópios de ligações extra-sensoriais.


                                                     Quarto passo; não existe. 
                                                                                 O que existe é; os desmovimentos comuns.
                                        Se passado disto você já está apto para 
                                                                                      pender as assas de morcego ao firmamento
                                                                                         prender os pés ao chão até torna-se paisagem





     não desista da eternidade
do que já nasceu roto.