segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Devaneio nº2

...Fechou o livro. Fechou o livro porque não aguentava mais se ler naquele personagem de quarent'anos. Não queria admitir, que era igual a ele. Igual, tirando somente pela idade pois podia escrever a lira dos vinte anos tranqüilamente e ainda morrer jovem como um escritor do mal-do-século. Ele era idêntico ao protagonista. A gana de escrever, a sina de quem pensa em demasiado sobre se o tempo vai estar bom amanhã para se deitar na grama e observar as nuvens por trezentos e cinqüenta mil anos luz ou um pouco menos, de quem observa entediado a paisagem do por-do-sol ruir-se do laranja ao roxo noturno estampado de estrelas cadentes, de quem acha que a vida é um teatro mal ensaiado e com textos horríveis, uma incrível farsa de atos pensados por um arquiteto ou roteirista que também carrega o mesmo fardo. Sentia raiva por alguém ter a ousadia de escrever tal coisa. Fechou o livro. Levantou da cadeira. Hesitou. Não fez revoluções. Estava incomodado. Incomodava ser apático e não ter nada pra contar, não transgrediu nada, foi apenas o que foi: nada. Estava acomodado assim, até porque poderia muito bem inventar a própria história. Foda-se! Foi para cozinha, queria comer, não sabia o que, mas queria comer. Talvez uma fruta. Banana ou tangerina? Pão com margarina? Existia um pensamento compulsivo de que alguém estivesse escrevendo a vida dele. Não pode existir um autor que escreva dessas coisas banais, dessas tolices da rotina; o apagar e acender do interruptor, o abrir e fechar da porta da geladeira, a chaleira borrifando fumaça, o açúcar caindo como nuvem no café preto que está girando com os resquício de movimentos duma molécula instável. Nada está parado, e existe a loucura de dizer que sim, está parado. Cada mínimo passo à esquerda estava sendo grafado numa página por letras. Assim como ele fez: deu um passo a direita, acreditando ter burlado algo divino. Basicamente a vida dele já havia sido escrita, já tinha um ponto final (só ele não sabia). Ou estava vivenciado algo que estava sendo escrito, mas, que o autor deixou um tempo a deriva e fora tomar uma cerveja com Augusto e dar uma risadas com o velho amigo, também escritor, ver se assim resolvia esse impasse chato (definitivamente não sabia). Se jogasse cartas provavelmente nunca iria ganhar, a não ser que estive pré-destinado a ganhar. Talvez a história dele não fosse sobre ganhar, e, sim sobre perder, ou desistir de ganhar. Aprender a perder? Nunca havia aprendido nada. Existiam lições de moral que havia ouvido em fábulas contadas pela a sua avó materna, algumas que leu em livros de contos empoeirados que ficam escondidos em esquinas da biblioteca, mas nenhuma era palpável, eram histórias absurdas como sonhos. Fosse a história dele uma fábula, um sonho. Talvez.

Sabe, deve existir uma razão secreta, que desconheço, pra aquela garota de olhos ciganos sempre sorrir pra mim, sempre dizer, "vamo combinar de sair", e, sempre que eu ligo tentando marcar, ela nunca aparece. Deve também haver uma conexão entre este calçado que eu estou usando e... e... as bandas que ela ouve. Ela só deve sorrir pra mim por causa do meu cabelo, ou da minha cara de sono. Se for isso ela atua muito mal nesse teatro de gestos e palavras dissimuladas em verdades de um querer escondido. Tudo deve ter uma ligação primitiva, que é além do evolucionismo, além da lembrança afetiva. Uma memória genética adquirida de uma planta que comi na infância, planta esta que em outra vida foi buda. E se tudo for imaterial e estiver vagando entre nós, só esperando alguém entrar na sintonia, como uma rádio FM. Talvez esteja fora de área.
Eu gosto de cinza, afinal, sou uma pessoa realmente triste? Cinza lembra tristeza, né? Cinzas são cinza e Vermelho é fogo, brasa, certo? Se eu jogar um dado neste momento, alguém já sabe o resultado antes de mim. Será que apostam em mim? SERÁ QUE ISSO É A DIVERSÃO DE ALGUÉM? O acaso não existe, então, a ciganinha nunca vai sair comigo até que algo mude. Mudar o que? Não temos nada. Talvez eu devesse parar de chama-la e usar uma camiseta vermelha no sábado. Não adianta mudar e os outros permanecerem iguais. Eu preciso mudar os outros. MUDAR. Voltou para o quarto, sentindo raiva. Sentia raiva porque alguém escreveu que ele deveria sentir raiva. Pegou uma carta do baralho e jogou pela janela o coringa. Recomeçou a ler o livro. Fechou o livro. Abriu o caderno, começou a escrever: Fechou o livro...

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