terça-feira, 17 de janeiro de 2017

floresta clara

estou trepando com cona duma arvore ou é arvore inteira meu corpo
seus ramos raízes gemem orvalhados pelo vento sou barro a terra roxa
estou suando nossos fluídos seivas nossos líquen musgos folhas decompostas
enraízam-se entrelaçando a sola do pé sem sola as minhocas compõem o quadro
contamos os anos em anéis figura dos tocos dissecados numa analise séria
decepados pelos que conseguiram não amar rios flutuantes ainda existem
cultivamos a amazônia atlântida dentro dos pelos pubianos reduzidos a história
há um bonsai no coração de jabuticaba as pedras e o tempo
as bocas tingidas amoram amarram o silêncio eu-sei
ninho de joão de barro eu gorjeio meu estertor não-sei
os primeiros raios do sol fazem curvar projetando mãos sombras
que agarram a carne ríspida do mogno envernizado enervado
você faz a piada com quantos paus se fazem uma canoa
eu construo com os fósforos palitos de dentes a restinga
que nos acarinha na vertigem do pulo ordinário ao celeste
enquanto o vento cinge as pétalas da rosa doce linguagem
dizem que enterram-me os olhos e que tudo que sinto é meu corpo
e o universo parte ignorada também de meu corpo
aninho me sinto no oco a pulsão cardiaca bandolim em potência
depois de tudo é possível estar vivo estar dissecando
agora o desejo de ser paisagem aos olhos de um pintor
ou a simples contemplação você ainda não viu

meu filho

quem faz a grama verde
respondo um pintor
quando crescer eu quero ser pintor

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

lygia clark

elã elástico
espiralado
infinito
retorcido

*

forma pontiagudas
triângulo-cubo
tsuru de lâminas

*

linha forma mosaíco
estrelas se chocam
supernova chapada

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

chama

sedento por um cigarro
estou sedento por você
fósforo momento exato

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

brancusi

pássaro no espaço
no céu - traço
caligrafia no papel

*

esculpir com a pena
o mármore com a tinta
volat - abstract

*

eau-
(forma
oiseau

chibata alligator blues

sol após sol blues gaita o pé marca o pessimismo compasso por com-passo reclama nada inovador meu amor não vale 1 chevrolet cordas enferrujadas num pântano no mississipi ou no canavial um breu por onde passa este terreno instável da ignorância anterior as navegações do cadáver a esconder ou para descobrir as chagas sorrindo como diabo jacaré canta o que levou o que perdeu sol após sol deixe-me ser a vingança o negro que corre para o vermelho cor ligeira que não sai pela água que não se lava nas raízes dos cabelos as plantas do pé as linhas do destino africadeus minha dissecação fricção dos meus lábios fio de navalha lábios ferida aberta estalidos da língua a saliva rala blues coxas e coaxos vagalumes coxas coaxos e vagalumes a língua como estilingue noite uma garrafa escuridão vazia noite estrelas salpicam o breu o coaxar a saia rodada o beijo roubado de nem um tostão sol após sol o meu senhor me deixou nada inovador fui abandonado ou abandonei ninguém parece notar quando se está down and out melhor assim do que ser um milionário eu tenho minha razão para não temer nada não ter nada não ser nada por entre as barras dias em branco branco de giz de giz na parede sol após sol contando quadrado os dias azul na péssima tradução azul novamente azul a cor da embriagues de quem canta os males espanta garganta canta alma como champanhe e vinho cordas entorpecidas para se enforcar ou para sustentar este acorde a servidão meu senhor é algo brabo pra burro não é meu lugar não é meu lugar fui abandonado ou abandonei o cadáver abre os olhos na escuridão das pupilas o púlpito a salvação é lama profundo lamaçal senhor as pulgas beliscam casebre quase vagar de um fantasma uma voz no pântano as estrelas espera espera espera ele esperou mentiou a si mesmo espera sol após sol que armas ele tinha além dos próprios punhos cantava os jacarés pela justiça em sangue trabalhava feito pobre diabo em sangue condenado sol após sol ao salgado ganho suor o cegava seu irmão mutilado não descansava pra onde vai o desespero quando sol após sol o glissando da faca afiando desafinando sobre o violão a rouquidão da faca da voz da alma em brasa embaraçada na garrafa nem um tostão é melhor do que ser um milionário porque se perder tudo quando já não se tem nada o amor não vale um refrão rima alguma salva a canção o que ele me deixou um cadáver numa prisão a noite os olhos o blues a sede sol após sol quieto murmurou a melodia de que sabia não havia mulher diabo só o próprio rabo como carne sem carne agora ele precisava agora o sangue negro na carcaça anos a vingança a sede a vontade de foder com tudo como um jacaré animalesco marcava o pé o péssimo compasso em seu desejo de atravessar a solidão vingar um irmão sol após sol amargava o rancor a refeição arquitetou sua vingança ninguém nunca mais soube do pobre diabo que riscou a giz apagou como sol após sol quando choveu a vida para cuspir no tumulo de seu opressor como herança a mentira dos trovadores a mitologia de que fora um rei banhado em ódio silêncio no pântano silêncio no crânio espanto e horror esperava ele mesmo cuspir no tumulo do seu opressor sendo nomeado como requintado uísque feito de cordão e fiapos consumido e engarrafado pelo mundo todo não deixando sede a um preço razoável até para os mais humildes

haikai

Queda (alma
dos movimentos sem
forma ─ d'água

ouve sem h

ouve do A ao Z
não é o que houve
antes do percurso
as letras querem
é que você ouse

furto

deixei a casa
com a impressão
de que não passa
estava aberto
ou fechado o portão
sei que pode haver alguma testemunha
alguém que noticie o fato
um espectador inerte
ligaria pra policia
ou mesmo a policia sempre toma café
na padaria da esquina
mas eles não vigiam a minha casa
achariam que é mais uma farsa
enquanto o controverso
mas não eventual
pode ser cotidiano
apesar dessa oscilação tão natural
estavam mudando de casa
estariam se desfazendo das coisas
não sei
o portão perpetua aberto
um carro parado
um homem sai
caminha pela rua
é ele ou não é ele
vigia a casa constantemente
deixou essa impressão
não é só ele
há outro carro na esquina
o que observam tanto?
cercam a casa
se comunicam
seria possível?
a quanto tempo planejavam isso
não poderá dar errado
o mal é calculado
como quem sabe
desmontando o relógio
mesmo este não volte a funcionar
mas começa a entender
o que o faz mover
são poucos segundos
mas a compreensão logo chega
as vezes tarde demais