quinta-feira, 27 de outubro de 2016

você, a fotografa

surgiu em pleno meio dia nublado
nada mais eu ajustava ponteiros
rabiscava verdes versos no ar
lhe disse eu acredito na paisagem litorânea
minha igreja sem paredes meu amor sob ruínas
é certo que procuro apontar o fácil
onde os dedos marcavam por inteiros ou um terço
nomes de revistas jornais velhos o poeta em sangue
para me por no lugar que não estava nunca estive tão certo
precisava reaprender a respirar esquecer meu devir máquina
sendo abraçado pela minha despedida o corpo que beija o ônibus
toda vez que proferia uma palavra ou a tentativa de uma
cunhando nomenclaturas garatujas sobre meu couro
teorias metafisicas para apanhar a solidão de surpresa
pela oxidação das nossas bocas de bronze
a chuva que cai relapsa relaxada
pincela a selvagem sincope
caligrafia vertiginosa das tuas olheiras
os lábios vorazes canhestros
todas as pombas voaram da catedral
quando os sinos rebentaram meio dia
retornei a status de terreno baldio

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Comunhão

foge mecânico cavalo louco
esta não é tua morada
neste corpo engendra algebra motor
pistões glândulas relâmpagos
palpitar desenfreado de tambores ritualísticos
pelo couro afinado pulsa elétrico
tal o maxilar caído à nuca
passaram sete luas desda queda
resquício de relíquia etérea ao vítreo
essência sublime da voracidade
esfarelando guepardos
na velocidade de moléculas em choque
expandido o limite entre carne e horizonte
desloca-se pela cidade a inocência do louva-deus
deixamos de ser crianças em erupções
para revisitar as fontes esquecidas nos dias quentes
nós somos aquilo que desejamos tanto ter adiante
enquanto a vegetação fermenta nossas bocas
lava fertiliza nosso corpo transfigurados em estátuas movediças
nossas esquinas se interseccionam ligadas pelas veias
de um pulsar à combustão cardíaca pela força de cavalos
ao olho do homem com câmera na mão a cauda do escorpião
será preciso renomear as ruas criar novos mapas abandonar toda rota
deixa a chuva sagrada dança realidade nos braços de Shiva
alucinada pela vossa santidade elétrica pela comunhão das válvulas
no caminhar do equinócio para os dias de cães famélicos perdidos
enquanto alma sublima vertigem do zero infinito

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

madrigal

anos feitos os anéis em árvore
agora você tem a figura
não há nada como seu poema
germina
versos mais maduros
onde alcance a tua voz a minha
suplica curvando as sombras
meia-vida

mensagem para a madame na escotilha

ela tinha o gosto verde e isso já era o suficiente para o poema ser feito
eu lhe apontava meus versos passando o dedo destreinado
por cima das frases pra lhe mostrar que eu precisava lhe mostrar
estão aqui espalhados nesses recortes da bíblia
nesses livros meus que já perdi todos para meus amigos
eu surrupio frases sou bom nisso também com muito esforço invento umas
ela tinha o ronronar de chuva o gosto cérulo de azeite
nada original as vezes me soa o que me traz a dias impares
as mãos nunca cansadas de sovar o pão ou de exercer função
somente cansada das sirenes de ambulância sentara no sofá
entretenha-se comigo este novelo de lã do qual utilizo
para me guiar labirinto metafísico entre borges e cortazar
roubei do cais o assovio dos marinheiros até a minha madame
na escotilha passeia ululante pela cabeça do passageiro distraído
segue a bordo dos bolsos como se nunca tivesse ocorrido silêncio
numa carta ainda não escrita preguiça me dê por vencida quando chover
no dia cinza por todos os dias quero estar contigo eu encontrei a melodia
numa caixinha de música não há como transcreve-la nesse transatlântico
de outro lugar roubei a imagem de um quadro e catei por pedacinhos
fragmentos de outros momentos para ter costura de nossas palavras ao vento
uma foto para eternidade nós debaixo do mesmo guarda-chuva esquecido
na chuva esquecemos da gente engraçado na chuva sou como gato ela afirma
mais tarde quando chegarmos ao porto investigarei sobre teus lábios
quando se contraem a imitar o assobio dos apitos a fumaça sobe pelo céu
nós discorremos sobre a piscina vazia por tanto tempo que ela se encheu
contigo é mesmo engraçado é como a houvesse uma criança brincando no rio
suas perguntas são anárquicas (quantas igrejas tem no céu?) e sutilmente
vais abrindo o absoluto das interrogações de cidades que só existem porque tu sabe nomeá-las

terça-feira, 11 de outubro de 2016

as moscas

caminho por entre larvas
elas brotam na colmeia que fiz
no carpe úmido da minha boca

*
precisava
era o ritual reproduzir
as coisas pequenas
as larvas

*
tinha cuidado
era uma oligarquia
deixava a boca bem aberta
para que pudessem copular

*
a terra não é diferente de um crânio
ou mesmo de um tomate podre
manchado de bolor com sua lanugem
fedorenta mas saborosa

*
as moscas cuidavam do garoto
asas de glicose
hialinas contra luz

*
a mais forte viveu 1 dia como adulta
outras duram a semana

*
elas esfregam
as patinhas rezam
antes de sugarem
o mofo da minha cabeça

*
o culto só começa
com as cortinas cerradas
o altar está pronto
de natureza morta

*
viver é se decompor
não faço mais que o natural
prolifera na fruta
multiplica como pão

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

prece

eu me despedaço ao mar
que seja febre
eu me despedaço ao mar
meu corpo vira sal
as algas se despedem com cantos gregorianos
sou esquartejado do equador ao sul da cordilheira
eu me despedaço ao mar que seja
meu braço aporta corais de todas as cores
minha mão se liberta dos dedos os peixes os engole
eu me despedaço sobre o mar
ele me engole aos braços fortes de sua saliva
faço o que me pedes
eu me anulo
me despedaço sobre o mar
eu viro sal
o sol por instantes para o movimento das ondas
nesse momento mais vivo do que outrora
eu me estabeleço soberano
o mar me lambe cordial
minhas pernas agora ganham a forma de água viva
quando me recomponho de sal
eu me levanto junto a lua
justamente quando perdes o teu nome
me arrastando pela orla inteira procuro
tuas partes preferidas entre moluscos
encontro a pérola que és esfarelando-se
numa ultima partícula indivisivel
desconhecida de vestido
não há quem ouça minha prece
logo será completo
a tua mudez