sábado, 21 de setembro de 2013

Cogito


Observo o teto deitado no chão. No chão do banheiro, do lado do trono. Batem na porta. Me levanto e  me avalio no reflexo. Que porra é essa na minha testa? Cacete. Viro a chave, saio e entra outro como eu.

As luzes piscam numa intensidade que torna tudo aquilo vejo uma longínqua e demora projeção de imagens. Como um filme em câmera lenta. Se é através do corpo que sou apto a sentir a realidade, sendo que os sentidos podem facilmente ser ludibriados, como terei certeza de que estou vivo? Tudo parece tão demorado e meu coração querendo explodir. Me vem uma vontade irracional de bater no primeiro babaca; mas não vejo algum.

Eu observo um reflexo no espelho. Tinha sua pele rasgada mostrando metade do crânio, os olhos arregalados e estáticos (sem as palpebras não podia escapar de não olhar). Sorri com os dentes serrados, era mesmo eu, entre os dedos da mão: uma lâmina. Com ela faço um corte na horizontal, no lado esquerdo do pescoço, que se abriu como um flor. O calor escorria pelo meu corpo. A visão se turva.

Passa por mim um babaca desesperado, como quem esta para se mijar. Perco-o de vista, mas vou até a porta do banheiro supondo que estava realmente apurado. Dou-lhe um soco na cara, que o faz cair batendo a nuca contra o chão. Olho-o e, talvez não seja o tal. Outro babaca chega correndo. Ele bate na porta. Ninguém responde.

Abro a porta, o banheiro está desocupado. Fecho a torneira que estava aberta. Na pia está a lâmina e a idéia contida: voltar ao inorgânico, à inércia. Tá ocupado, porra! Não enche!

Um ruído vai aumentando, aproximando-se, elevando-se de altura. Ossos ritmam contra a porta velha, trancada. A maçaneta faz seu inútil movimento. Os graves me invadem, rastejam pelo meu corpo, atravessando-me e saindo de dentro pra fora. Um grito afogado no vermelho. Não tenho mais corpo, ele não existe, muito menos possuí forma. Existe, e tem essa e outra forma, no sonho e na.

Antes do fim: o começo.

O idiota me olha do outro lado da porta.

Há um recado no espelho do banheiro, mas não consigo ler, as letras estão borradas dificultando qualquer tentativa de decifra-lo. Pode ser uma frase idiota, mas gosto de pensar que é um bilhete suicida, afinal alguém sempre morre e até uma frase idiota pode ser um ultimo recado. "Alguém morre",  é uma coisa tola para ser prevista. Uma coisa tola, que não preciso ver para acontecer.

Era como se me atravessassem e dividissem ao infinito. Como é estar eternamente morrendo? É como nada, nem pode existir, mas existe. Já estamos a todo instante morrendo, e nem sentimos também. Com todo tempo do mundo, abri um sorriso, saboreando-o como que pela primeira vez. O mundo não queria minha atenção e não me distraía; eu existia, diferente dele.

Abri a porta do banheiro, não havia ninguém. A torneira estava aberta, fecho-a. Para remediar o fedor, dou a descarga. Tudo parece tranquilo. Vasculho abrindo gavetas, encontro finalmente. A luz oscila.

Existo, ao contrário dele. Existo, mesmo que seja ele quem sou.

Caio lentamente até encostar no chão, o impacto me faz fechar os olhos como quem dá um mergulho. Observo meu corpo tentando se manter firme, parece não aguentar. Cai de joelhos (parece que está) implorando para que eu volte ao meu lugar, mas é tarde. O teto do banheiro não tem forro e não é mais problema. Meu sangue limpa o banheiro sem problemas. 

Com a gilete na mão, abro um caminho em meus dedos e com aquilo que escorre, escrevo meu ultimo recado ao espelho. São longas e entediantes, as despedidas.

Destranco a porta.

Dentes metálicos rompem e a morte delicia-se com o descontrolado fluxo, apaga-se num suspiro, dilata-se as pupilas. Marcha a erupção lenta. Se contraí, murchando sem rapidez.

Estou correndo, não sei para onde. Estou correndo. Há uma luz muito fraca, trepida em intervalos irregulares, dá pra ver alguém na distância, tão longe que parece um anão. Canso e paro de frente à uma porta lateral, aberta. Alguém esta lá.

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