terça-feira, 6 de agosto de 2013

Peixe fora d'água

Foi fritando uma tainha nos mês de junho; empapando meus bigodes de gordura, recordei do pedido do meu falecido Pai, que só a pouco pude encontrar resposta. Foi necessário ir aos melhores terreiros, também recorri a sabedoria oriental, e mesmo assim insatisfeito, tive que esperar que o senso comum aceitasse as explicações da física quântica, e o mundo das idéias onde a ilógica é forte. As pesquisas etnográficas de tribos xamanicas, deram suporte aos meus relatos, estarão disponíveis no apendesse (que somente será liberado, caso compre os direitos da minha obra na integra).
Pra poder responder meu finado Pai, tive que acessar minhas essências, através de meditações e uso de plantas estrangeiras (o conhecimento lotófago, foi primordial). Descobri que já fui español, português, inca, tuaregue, e acredite se quiser, tigre, quero-quero, preguiça e peixe. Minha esposa fora alguma francesa louca da revolução, condenada como herege e julgada como bruxa, queimou em fogueiras, entre outras torturas medievais sofreu. Provável que nessa época, eu fosse um vilão, ou coisa aparecida, mas prefiro evitar qualquer otimismo, ou até mesmo o contrário. Felizmente, aceitamos muito bem nossas diferenças e loucuras, apesar dos extintos opostos que temos: eu, peixe fora d'água e ela, felis inovencilis.
É verdade, fiz grandes descobertas, mas não pude ir mais longe, mais longe de mim mesmo. Não posso alcançar a distância infinita da geração-universo de meu pai; por isso, encerrei as pesquisas, insatisfeito, obviamente. As respostas eram negativas, porém a pesquisa até que serviu para ganhar alguns cruzeiros.
É necessário um pouco de sombra para que as formas sejam realçadas, um pouco de desconhecimento para que o conhecimento tenha um pouco de brilho. Mas meu pai tenho certeza que se não foi um bárbaro, foi pirata. Não, não posso afirmar, mas afirmo. Eu sinto que foi.
De qualquer modo, foi fritando hoje, que pela janela observei duas crianças: (à priori) meus (se é possível ter posse de algo), como dois ursos selvagens, índio e cowboy, alienígena e astronauta, e não era de assustar que os dois corriam como dois garotos hippies sujos, cheios da maior graça que podiam ter. Tinham as pupilas como sóis, queimavam em pureza. Me apressei pra pegar a câmera e registrar o momento. Os dois se abraçaram sujos de lama e suor, com os sorrisos de janelinha aberta. O mais novo estendeu o braço: o bom-e-velho simbolo da paz. A impressão revelada não seria muito diferente de uma tirada dos anos 70'.
Não tardou para que filha mais velha aparecesse o cabelo curto, pintado de preto, a maquiagem borrada embaixo dos olhos, os coturnos escuros, a calça de couro, camiseta mais larga e um penduricalho triangular roxo na orelha.
Estaria a desafiar minha autoridade? Provavelmente sim, sou um pai, e é de minha natureza ditatorial que se protegem os filhos, ao mesmo tempo que não posso controlar o devir (e quem pode?).
Ela reclamara do peixe frito, dos gases na camada de ozônio, das desmatadas florestas, da fome no mundo, reclamava de tudo, mais indignada não poderia estar.
Tento aliviar: digo a ela que a vida é injusta, e que na minha casa, que na minha casa (o pensamento foi interrompido).
Ela reclama da vida injusta.
Não posso fazer melhor, além de sublinhar. Mando ela experimentar a tainha(!).
Ela me da as costas. 
Me ignorar é a maneira de sair por cima. Falando assim pareço um lunático. Talvez seja. É da natureza da humanidade. Não me estranha também a loucura da minha familia. Onde estará a minha esposa? Surgiu agora, com a maionese na mão e com o celular grudado na orelha, gritou pra Oswaldo  e Mário lavarem as mãos, também veio me informar o que havia feito de errado; chorava nossa filha, por minha culpa.
"Culpa minha?", recrutei e fingi que não. Ela me olhou (não lhes contei que ela é uma leonina?).
Mas que descaso, ser pai nunca foi fácil. Hoje ou em qualquer galáxia. 
Emulei uma subida pelas escadas.
"Filha, eu sei que você procura uma identidade, mas não é se opondo a mim que você vai descobrir quem é, ou melhor é assim que você descobre quem não é. É descobrindo quem você não é que você começa a me odiar. Não, não era nada disso. A vida é injusta pra mim e pra você. Olha, eu nem sei quem eu sou também e agora não sei o que estou fazendo. Ser pai nunca foi fácil e um dia você vai ver, quando tiver que descobrir quem eu realmente fui, pra pode você também ser mãe. Bem, esqueça tudo o que eu falei. Sempre bom ensaiar os discursos no espelho. O reflexo sempre fica bem perto do rosto e da até pra ver.  Da até pra ver, da até pra ver o vazio."
Sem tempo para cíclicos ensaios, veio brisa leve que anunciava — OS MALDITOS PEIXES! — como exclamava, irresoluto, pelos séculos a fora; o pai de todos os filhos, o pai que esqueceu que é também filho: um pai por fim, ou por fim um pai frito.

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