terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

estudo de casos entre dois personagens

O garoto apanhava flores e levava para casa. Tentando meio a desolação ambiente, haver um objeto decorativo. Sem grandes rodopios sentimentais. Fadado ao por menor de não possuir cuidados ou de não cuidar mui bem. Encheu a xícara até transbordar de água morna. Não havia muito o que fazer. Não enxugou a mesa. Estava ele naquelas coisas: a xícara vazia seria mais útil utensílio, se não houvesse tal. Que a mãe deixaria de segurar, para arrebentar com alça ao chão.
A imagem paterna seria ausência (imagem essa forte e que se repetiria): uma passagem de ida, um adeus sem ao menos uma palavra, de bicicleta, sem olhadela para trás. Restou muito a educar, aquele quadro: a imagem se esvaindo. Sem despedida. Ficara uma gaiola com pássaro. Um lindo pássaro preso. A casa de tão surrada, não parece ter também alma materna. Gaiola. Que ficou admirando por dias, depois de correr atrás da bicicleta, sem o mínimo de importância ao que fazia, podendo isso ser o mais correto e desesperador.
Na rua garoto cospe, enquanto um homem atravessa com cachorro rotineiramente com a coleira, sem interferência. Parece que levou uma surra. Olho roxo, a mão sobre a cara e um muxoxo, sentado à escada. Observa pelo lado de fora da janela a gaiola sendo abatida por uma vassourada. Corre contra a força da inércia. A vassoura despenca a gaiola do parapeito, que ele tenta salvar.  Carrega pra dentro da garagem, onde tranca a porta, querendo despertar o pássaro. Cante mais uma vez, pensava consigo choroso. Os dedos do irmão tentavam abrir sem jeito a porta, mas acabava desistindo e catava um gato preto, colocando debaixo do braço e assim partia com algo. O garoto não costumava receber bem negativas por isso sempre reagiria em desacordo. A casa poderia não ter nada, assim como nada dentro da casa importava, nada tinha relevância. Tudo era simplesmente aquilo, e aquilo era o que de pior poderia ser numa casa. Eram cinzas. A presença materna de ausência, presente como a gaiola surrada. A mãe era mais como um boneco de pano, tanto podia estar sentada na cadeira como costurando que não faria a menor diferença para a vida do garoto. Era o que pensava o pobre garoto, mas que levaria muito a entender. Era o infortúnio dele, mesmo que o irmão menor tentasse fazer com ele esquecesse e brincasse de bola de gude. Na escola seria apresentado por um amigo à raul seixas. Rock das aranhas e pela primeira vez ouvindo uma insinuação sexual numa música, a primeira que se lembrara. Não que isso valha, muito melhor que lembrar "sou o seu bezerro... Se questionando porque haveria de estar com essas músicas na cabeça, talvez porque o presente era feito de nebulosas.
A gente transa ainda, mas não tem mais nada. Saia do gargalo do bule: mais café com açúcar. Era uma relação conturbada, ele era o ex-namorado, não muito inteligente. Estupido que dava pena. Era rude e bruto. Estava trabalhando das noves horas até as oito como pedreiro. Vida difícil, pra quem já esteve na faculdade de administração. Mas essas são puras abstrações. A maioria das pessoas pensa que conhece ela, e não sabe quem ela é. Não me faz um café, assim tu estais fazendo. Ela também falava num tom imperativo, o que não agrada a maior parte das pessoas, mas quando se tá morando de favor, a situação é de modéstia submissão. Sabia que chamava ela de bruaca enquanto assistia a televisão, mas que havia batido nela ainda não me tinha ocorrido. Primeiro com o chinelo no braço, depois o chinelo na boca, que deixou os lábios inchados. Uma mulher assim é difícil de arranjar, uma mulher boa é muito mais difícil, ele me respondia dizendo eu já tive tudo (e chegar onde estou), eu já tive emprego bom, mas nada nisso me deu felicidade, eu tive uma esposa que trabalhava no banco, eu não precisava me preocupar com compras a fazer. Eu só o ouvia com a boca atada, não havia nada que me fosse de interesse. Não poderia responder com algo igual pois não eramos iguais, apesar da natureza, não me julgo superior pelo contrário. Não simpatizava com ele. Largou toda sua perspectiva de autonomia para ser um reles servente de obra com uma ocorrência de violência doméstica. Tinha fé, acreditava em Deus, procurava uma mulher religiosa. O café esfriou, não adiantava esquenta-lo novamente. Eu não podia fazer muito. Poderia haver um pai nele, uma pai dentro dele; nesse guri de trinta anos, mas sua maior preocupação era parar de fumar maconha, pagar a pensão.  Estar fodido, sendo um autônomo fazendo revenda direta do produtor. Continuando a jogar esse jogos mentais. Sem futuro ou muito distante. Ele não pedia conselhos, eu também não podia dizer muito mais do que fazer ao pobre coitado. Não havia nada de coitado. Olhar com compaixão só deixaria pior a situação. O máximo que fiz foi lhe oferecer o sofá para que pudesse deitar por aquela noite. Pois já havia dormido na obra, na noite passada, no frio, mal dormia e agora pedia café na minha casa. A vida é mesmo um osso que não se quer largar, não é mesmo. Outro dia viria, tendo um filho ou não, se sentido inseguro com o futuro. Sem mulher, sem dinheiro. Nem uma calçada para chamar de sua, nem um lixo para produzir, era o melhor que podia fazer, se deitar com a pança cheia de café, rezando para ter força. Rezar para não perder o emprego, ou mesmo o futuro de poder morar num trailer, pra poder viajar. Um sonho, desses de viver sem lugar mas por contradição tendo um lugar. Sendo a crença de felicidade, de visão de vida possível em pelo menos 3 anos de trabalho. Pode dizer que tudo ainda não passava de um rascunho, como tudo feito, nada estava concluído, estava tudo mal feito. Pedia perdão na janela, que havia perdido a cabeça, estava mesmo furioso, de ter o sono ainda não vencido, os palavrões que proferiu contra senhorita, seriam perdoados todos pelo sangue. Mas nunca mais queria vê-lo, de qualquer maneira aparecia ainda dia sim, dia não pela janela. Fazendo uma visita para o filho. No presente ainda teria a marca. A tatuagem não deixava por enganar: um cogumelo com um duende sentado embaixo. Seu tempo já havia passado, como havia mudado também de vida. Deixou o cigarro a muito tempo. Havia esperança no seu olhar.

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