quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Clã dos Bastardos

"Histórias não começam ou acabam, elas estão sempre sendo contadas."
Fernandes Correira 


Sou um bastardo, dos meus ancestrais espero não ter herdado nada, da cultura que me esmaga nada quero também. Meus olhos castanhos e a minha epiderme bronzeada não mentem, o físico esquelético e a voz ligeiramente desafinada não enganam também, sou filho  — mas preferia não ser —. Colocaram-me uma máscara suja de sangue de batalhas que não lutei, mas que lutara meu povo, também me fizeram vestir os tradicionais trajes e cantar os hinos de guerra.
Todas as noite ao redor da fogueira contávamos nossas histórias, mas eu preferia não ouvir história nenhuma, preferia adormecer imaginando um final melhor para minha própria história que ainda não havia fim. Adormecia sobre o olhar de Nyx e da constelação de Leda, minhas grande protetoras.

O sol não dá trégua quando ele decide que é hora de acordar. Acordemos então. Não há o que reclamar. Levantemos para mais um dia de caminhada, enfrentemos mais um dia de jornada. Os brutos tem também suas marcas, as mesmas marcas que tenho; a pele queimada, físico ligeiramente esquelético, estatura mediana, olhar traiçoeiro, apatia, e um ligeiro esquizofrenismo religioso. É como se as vezes todos estivessem conversando entre si e ao mesmo tempo conversando sozinhos. Não parecem ter sonhos, nem ambições.
As histórias que contam ao redor da fogueira sempre  mostra um herói-mártir que sofre por tentar mudar o imutável destino. Como somos ridículos. Todos os dias eles contam as mesmas histórias, me pergunto se é uma maldição ter que contar ou ouvir, ou se simplesmente a maldição é ter que usar as vestes de nossas ascendências.
Ouvi esses dias uma história nova, mas o protagonista parecia o mesmo de todas as outras, ele queria muitas coisas, negava uma porção delas, se admitia como bastardo da própria cultura, pelo menos preferia ser visto assim, — ser visto assim por si, pois só ele se importava com isso —, e ele dormia todos os dias observando as constelações, imaginando, tendo alucinações com vida cotidiana, sonhando com um final para a própria história. O vento apagou a fogueira. Nunca mais contaram ela, também foi a unica vez que ouvi.

Todos os dias durmo sobre as mesmas constelações e acordo sobre o mesmo sol. Os dias são todos os mesmos para mim, não há diferença aqui. Quero que me enterrarem como outro bastardo, sem clã. Não quero fazer parte da mesma história, não quero ser uma história pra se contar em fogueiras, não quero ter esta perpétua maldição. Quero eu contar uma nova história, em que o herói consiga mudar o rumo do próprio destino. A fogueira apaga. Outra história sem fim acaba.

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