domingo, 15 de janeiro de 2012

O Vesano

A primeira vez que te vi, como eu me lembro bem, lembro como um daqueles sonhos que costumo ter, você imundo, maltrapilho, um pobre-diabo sentando na calçada com alguns pedaços de pão na mão que distribuía aos pombos em migalhas, sua forma de fazer eles prestarem atenção enquanto você falava; "existem verdades e verdades, nada de as contradizer... Até as mentiras são verdade, algumas mentiras são mais verdade do que as verdades, mas nunca uma mentira é mais mentira do que uma verdade, pois somente uma mentira pode ser uma verdade, logo toda a verdade é uma mentira e uma verdade ao mesmo tempo, e o mesmo pode se dizer de uma mentira.", afirmava você veemente.
Levantou-se e saiu andando em direção à praça. Fleck-fleck faziam as suas botas molhadas da água da chuva. Rrrrrrr fazia a sua garganta seca. As duas conversavam, uma queria estar molhada e outra seca, estava tudo errado. Ziguezagueando pela rua como uma barata tonta, faltava-lhe a firmeza nas pernas que o tempo já havia lhe carcomido, o que não atrapalhava em nada a tua conversa com os botões. Desculpe, engano meu, tu não conversas com botões porque isto é coisa de louco, tu entras nos buracos, nos pequenos orifícios daqueles pequenos objetos redondos. Entrava por um e saia pelo outro, entrava pelo outro e saia por um, tu se confundia com os fios de algodão, tu se entrelaçava nos botões, eras a linha e a agulha, linha e agulha.
Sentando no banco da praça enquanto articulavas os teus discursos dormindo acordado, no limiar da tua realidade paradoxal, ali mesmo, onde a tua consciência faz um observatório com telescópios e caleidoscópios e todos outros ópios que costumas usar.
Ah! pequena Cecily, por que corres pelas ruínas, se escondendo em sombra de flores e pedras, dando risadinhas, chamando pelo meu nome, esperas que eu te encontrasse. O vento batia nas raízes dos cabelos agridoce dela, que vibraram um vermelho-carmim, a vida tinha uma sensação de açúcar cristalizado. Crush! Acordou. Hoje sessenta, amanhã quinhentos e vinte seis...
Neste momento houve um breve intervalo de lucidez, estava cansado de conversar sozinho, decidiu que alguém deveria escrever as tuas palavras, alguém que conseguisse te entender, sintetizar o teu lirismo conturbado, então criastes um amigo imaginário para escrever esta história: eu, um fio de insanidade em mim.

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