sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Fragmento da Página 96 (Do livro que estou lendo)


     Fechou o livro.

     Escreveu linhas, que pareciam versos que não voaram, porque não lhe fora ensinado a capacidade de voar. Caíram no chão como chumbo. Era assim que sempre fazia quando estava só: imaginava uma história para cada palavra que fosse desenhada no seu imaginário-rascunho. E isso acontecia quando também não estava só. Acontecia de estar só, mas não de estar só. Estar só não é um luxo que todos conseguem se dar, ainda quando se mora com... ou estão todos num melancólico bar, que curiosamente deixa a maioria das pessoas felizes e falantes. Estava só porque queria estar só e não importasse não-sei-quantas-mil pessoas estivessem ao seu redor. Estaria dentro de seu calabouço noturno donde vivem as mais terríveis aranhas azuis de abdômen prateado, aconchegadas com a umidade e a penumbra. Ou num café onde garotos vestem casacos de lã e garotas de cabelo despenteados se beijam como gatos.

 — E isso era só o começo... — tudo com certeza ficava pior quando, da solidão premeditada, um outro ele entrasse à conversa. Sem a menor ofensa, claro, aos esquizofrênicos. Mas tenho que admitir que é

necessário um outro eu, para ver onde errei quando saí de casa esta manhã. Se foi por falar tantas geribaltinosidades à Nuvès.
 — Você foi um idiota, sabia?
 — Foi por admitir que ensinei o faracenos errado?
 — ...
 — Não discordo da minha idiotice, mas pelo menos não me traí ao não
falar o que penso.
 — Se traiu ao apenas ficar sentado bebendo aquele café preto, objeto ritualístico das tuas manhãs de sábado... Se traiu ao ficar novamente só, sem nem ao menos conversar com o Café ou com Nuvès.
 — Sei bem, que tu ouvias meu pensamento, hipócrita maldito! Sei bem que tu também fazes parte disso, poderias simplesmente dar-me um pontapé no cu, mas pelo contrário afagastes suavemente a minha solidão. — Os dois ficaram emudecidos, como todo cego que restabelece a visão.  Não sabiam se tratar consigo, isso era além da loucura. A Loucura fora superada, deixadas aos escritores da geração passada. Agora descobrimos coisas piores guardadas na mente de autores sádicos, com suas insatisfações sexuais, as sofridas questões metafísicas vivenciadas por Estevès da Tabacaria e de problemas existencialistas sobre o dardo em movimento. Escrevendo assim, sei que... soa vago, por
isso esforço-me a explicar.
 — Oras, porque vocês sempre precisam de exemplos pra entender-me? De qualquer forma... Quando arremessado os dardos, deixo claro que, o jogador possui o total intuito de acertar o alvo (caso contrário não se deve jogar dardos), até então as expectativas são: baixas ou altas, independe disso, existem outros fatores como: habilidade, confiança e os ratos da Argélia.
 — Me questione o que os ratos da Argélia tem a ver? Vamos, me...
 — O que tem a ver?
 — Apesar de um bom jogador ter a confiança transbordando de sua taça, existem os ratos da Argélia que conspiram quando morrem assados ao sol, putrificando-se, criando o odor característico de 1,4-diamina-butano, que misturará com as partículas de oxigênio, que a alimentará a corrosão da camada de ozônio, que fará com que os raios de sol entrem em contato com a... E por causa disso, que "não tem" nada a ver com a sua vida, você erra o alvo. Por outro lado temos o inexperiente jogador de dardos, que pode simplesmente acertar o alvo, ignorando até mesmo o fato dele não acreditar em nada além da possibilidade de errar o alvo e perder os 10 pesos argentinos apostado. O ratos na Argélia continuam lá, brincando de morrer ao sol. O que ambos tem em comum? O momento em que o dardo viaja através das correntes eólicas ao seu destino, este que é imutável graças aos ratos da Argélia. Querendo ou não, nada pode ser feito, ambos encontram-se fadados à acertar o destino premeditado, acreditando ser somente o acaso.
 — Eu acreditei sempre ter acertado o alvo, mas hoje veio em mim o peso de que talvez acertar o alvo, não fosse exatamente acertar o alvo. E é por isso que hoje eu me encontro só.

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