sábado, 14 de julho de 2012

Bilhete para Denise

Em baixo do telefone sem-fio que tem a piscando sua luz vermelha, avisando que se tem uma ligação perdida, e também em alguns lugares espalhados pelo apartamento e grudado por um imã, que ela comprou numa viagem pro Canadá, na geladeira branca com os detalhes cinza, um bilhete:

"Minha Querida, sei que não aguentas mais minhas crises e toda a baboseira que estou ultimamente falando, sei também que estás tristes e que também tem os teus problemas, e que existem coisas na vida que não param. Me sinto um grande peso em sua vida, queria ao menos poder ajudar em casa, mas parece que um buraco negro me sufoca e engole todas as minhas vontades, — e eu pareço ser o seu buraco negro — Tenho pensando muito... Sei que já deveria ter saído desta crise, mas parece que sempre existe um problema. Acho que talvez sempre existirá um problema. Não sei. A vida é pra ser assim mesmo?
Estava pensando... — Eu — sou o seu maior problema, sempre te deprimindo e te deixando irritada com minha rotina de reclamações e rabugentices. E concordo com esse pensamento, sabe, realmente é humilhante pensar nisso, e notar que é verdade. A verdade é cruel, — porém é necessário ser cruel —.
O que eu estou querendo dizer, mas que é difícilimo dizer é: Estou partindo, farei uma viagem, voltarei pra casa da minha mãe, morarei com algum colega... Não sei o que farei, mas farei logo. Na verdade neste momento já devo estar longe, em um qualquer-lugar que vida me abandonou. Estou farto de ver que tu além de carregar os próprios problemas, me carregas com os meus problemas. A vida podia ser fácil. Me desculpe por não ter a coragem de te olhar nos olhos e te dizer isso, mas pensar que você ouviria tudo isso da minha boca, me deixa triste. Você ouve minha voz enquanto lê este bilhete? Tudo me deixa triste, por isso estou partindo para ver se encontro a alegria em algo que não-sei-onde perdi, ou deixei escapulir. Desculpe e adeus Denise. De alguém que te só te prejudica e que só quer o teu bem."

Ela chegou em casa do trabalho da pausa para o almoço, encontrou a casa vazia. Estranhou, mas ela sempre se estranha com qualquer coisa, logo ficou tranqüila. Se acostumou. Abriu a geladeira pra esquentar a comida. Não viu o bilhete. Enquanto a comida esquentava dentro do gélido microondas branco metálico, avistou que havia uma ligação perdida no telefone sem-fio. Viu que a ligação era do telefone dele, e logo percebeu que havia uma página da sua agenda, uma página amarela (que ela tanto gosta) fora arrancada. Pegou o bilhete com a mão direita, e começou a ler. No começo estava confusa "o que ele tá querendo dizer com isso", pensava, "esse babaquinha com as suas idiotices...", quando chegou ao final, não sabia o que fazer, tirou o brinco, se olhou no espelho torto que ele havia posto assimétricamente (acreditando que estava simétrico) e desalinhou o cabelo até que o reflexo no espelho parecesse correto. Um pranto escorreu, dando inicio a um riacho deles que fluíram... Se jogou na cama com a cabeça na travesseiro, abafando...  O microondas apitou, mas já estava sem fome. Sem forças.

Foi neste momento em que ela ouvia a maçaneta de casa se abrindo, correu para a pequenina sala do apartamento, sentou-se na cadeira que era de frente para a cozinha do lado da mesa em que ficava o telefone. Era ele, pelos passos era ele. Pela respiração forte, era ele. Com certeza era ele. "Chegou de mansinho o danado", ele entrou na sala e cumprimentou com um beijo, tirou o casaco no quarto, voltou para a sala. O microondas apitou pela quinta vez, mas a primeira vez desde que ele chegara. "Onde você estava?" perguntou ela engolindo um soluço choroso, que o fez olhar meio torto, não entendendo bem a situação que estava. "Fui encontrar um editor. Acordei hoje com uma idéia, e que comecei escrevendo hoje mesmo, me pareceu fantástica, o editor também gostou da idéia, acho que vou continuar trabalhando enquanto ainda está tudo fresco, por sinal, você deu uma olhada pelos textos que escrevi e deixei espalhados pela casa? Acordei inspirado".

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