segunda-feira, 9 de julho de 2012

Edifício Babel

Na rua X, ao lado do banco do Y está o famigerado Edifício Babel. Subindo os quatro degraus da escadaria você chegará ao hall de entrada, onde será recepcionado pelo porteiro que estará dormindo. Não se preocupe, as vezes ele acorda. Subindo pelas escadas, percebera que entre o térreo e o primeiro andar existe um outro piso no meio que possui uma porta, que segundo constam é onde o Dono do Edifício fica trancado, calculando as despesas e somando os lucros. No primeiro andar existe uma academia somente para não-moradores do prédio, normas do Edifício. No segundo andar existe uma portinha que nos leva para uma queda direto para a rua. Se pegarmos o elevador (economizaremos tempo e pernas) chegaremos ao sexto andar ou até o nono rapidinho, onde se encontram os moradores do prédio; uma micro-sociedade cosmopolita de estudantes, regida por regras seguindo o livro Bom-viver em Harmonia; Micro-Sociedades. Livro pequeno de em torno de 72 páginas, com tradução para francês, inglês, español, italiano, alemão e russo, que pode ser adquirido no apartamento 918, onde o autor ficara contente com a sua visita e provavelmente fará um dedicatória no exemplar (que o próprio acabará por lhe dar de graça). 
Por terem abdicado de alguns conceitos, ficando vagos de datas comemorativas, os moradores estipularam algumas datas, além de que cada aniversário é mui bem comemorado por todos. Existe uma festa que acontece no primeiro sábado à tarde de cada mês chamado Finem, e outro na manhã do ultimo domingo chamado Initium.
No Finem geralmente é feito lasanhas, arroz, feijão, batatas, beringelas... Tem também um banquete frutas onde é servido melancias, laranjas, tomates e... As vezes alguma bo'alma guevariana faz alfajores e outros doces, de praxe reclamam da qualidade do leite condensado da Ilha de Vera Cruz, enfim, eles não são perfeitos.
No Initium é feito uma festa com vinhos, hidromel, cachaça, fernet, vodka, cerveja, rum, tequila, qualquer alcoólico é válido. Outros eventos também são realizados rotineiramente onde algumas bandas são apresentadas, malabares, pequenas peças teatrais, alguns pequenos curtas feitos independentemente.

Nenhuma sociedade é perfeita, principalmente porque nossos manuais não estão traduzidos em línguas orientais (apenas o russo), o que torna difícil a convivência com coreanos, chineses e japoneses. E as vezes em momentos de discórdia, de extrema raiva, de quando alguém acha que outro-alguém mordeu o seu queijo que estava na geladeira ou tomou o seu refrigerante de gengibre, ou até mesmo tomou banho e transformou o banheiro em Atlantis, ou cozinhou uma comida gosmenta e papenta na panela e não lavou a mesma, os habitantes simplesmente não reclamam, guardam para si todo o rancor e escrevem um educado bilhete. Esperam que tudo se resolva num relampejo de bom senso.

No seu meio andar, diante de contas numerosas e pilhas de dinheiro, cercado por fios e máquinas de contar que fazem bip-bip e piscam luzes verdes. Está ele, o mestre varonil, o Senhor Dono do Edificio... que segundo os seus cálculos aritméticos, viu uma margem de lucro muito maior do que a esperada, com a quantidade enorme de pessoas que ligam pra ele frenéticamente. Trim-trim, trim-trim.

— Alô? É sô eu, o Dono do Edifício... Hmm... Quanto? Não, não, não... Ah sim, sim, tem um quarto vago no 1041...

Desligou o telefone e teve uma epifania; construiria uma banheira de hidromassagem e com um pole-dance no meio para que Martha (sua boneca inflável) pudesse se exercitar, afinal ela andava de carinha tão murcha. Pegou o telefone, discou para o número e ligou para o seu maior investidor.

— Alô maninha? Tudo bão por ai? Desculpa trapalhar tua férias em Fernando de Noronha, má é qui tamo com todo os quartos de todo os apartamentos lotado, e eu não sei o que fazer...

Logo depois de ter construído sua banheira de hidromassagem com um pole-dance no meio e uma sauna, obedeceu as ordens de sua irmã; construiu mais andares para o prédio, e mais andares, e quanto mais andares iam sendo construídos mais pessoas lotavam seus apartamentos e quartos. Chegou a um ritmo em que os pedreiros trabalhavam setenta e duas horas por dia. O Edifício Babel em pouco tempo tornou-se o maior da cidade, do estado, do país, do mundo... Ele estava cada dia maior e cada dia com mais gente.

No começo os moradores seguiam e conseguiam compreender as regras, mas com o crescimento acelerado de pessoas no edifício começou a se tornar difícil a assimilação e a disseminação do livro Bom-viver em Harmonia... Resolveram o problema, criaram um dialeto babélico que era uma mistura de várias línguas e expressões que foram geradas espontaneamente. O dialeto era de fácil aprendizado para todos que já estavam familiarizados com o excesso de informação léxica estrangeira-nativa, trataram de utilizar um alfabeto que não tinha nada a ver com o alfabeto latino ou anglo-saxão, nem mesmo com o cirílico, voltaram as raízes, fizeram do alfabeto hebraico o alfabeto materno do Edifício Babel.

Com 810 andares o Edificio tornou-se caótico, o fluxo de pessoas saindo e entrando pelos elevadores, de pessoas subindo e descendo as escadas era enorme. O livro Bom-viver em Harmonia; Micro-Sociedades, tornou-se obsoleto, o livro servia somente para as micro-sociedades pacatas, não para um aglomerado imenso de pessoas na vertical. Com o passar do tempo as pessoas começaram a infringir as regras, pois regras exigem um policiamento e punições aos que não a seguem. E aqui não existe castigo, não gostamos disso, apesar de que alguns acreditarem que deveria existir punições. Creio que não seria justo, porque os orientais continuam excluídos, completamente perdidos, fora do circuito, e não seria justo puni-los sem que eles saibam do que se trata as tais regras, mas Pierre Têtu acredita de que os orientais só não se informam das mesmas por má fé, pois alguns até sabem falar mais de uma língua.

Um belo dia Pierre acordará ao meio-dia e ao abrir a geladeira, percebera que o seu recém-comprado iogurte de morango já se encontrava vazio e com o recipiente malandramente deixado dentro da geladeira. Chamou um amigo brasileiro metido à lutador de MMA e foram até o quarto do sujeito de olhos pequenos que morava no apartamento e lhe deram uma genuína surra. Poucos ficaram sabendo. O jornal do Edifício estava mais interessado em ensinar a fazer massas de pizza do que nesse pequeno incidente. Estranhamente o caso, ganhou uma grande reverberação pela sociedade oriental, que acabou criando uma disputa. Rixa essa que exigiu que fôssemos todos separados por grupos, que tiveram que usar uniformes especificos para não serem atacados.

Os que se vestiam de azul eram o que eram a favor do castigo, da servidão as regras, muito agressivos, batiam a quem bem entendem-se ser justo. Os que se vestiam de vermelho eram na maioria das vezes os orientais, ou simpatizantes que eram contra a ideia repressora, acabavam sempre apanhando, mas estavam sempre fazendo planos para dominar apartamentos de alguns dos lideres do outro grupo. E os que vestiam branco ou cinza eram os neutros, que eram a favor e contra ao mesmo tempo, porque analisavam tudo como errado, porem eram muito fracos para fazerem o certo, então se disfarçavam na própria fraqueza e eram indiferentes aos gritos, as brigas que aconteciam constantemente nas escadas e corredores, eram acomodados com a violência, e sim, eram parte fundamental para que aquilo continuasse.


*****


Mudei-me para outro edifício, esse onde só existiam pessoas da mesma pátria, a vida era mais monótona, éramos mais egoístas e estávamos pouco nos lixando para o que o outro fazia — desde que isso não atingisse ninguém. Não se passou muito tempo, em torno de duas semanas, até que me apareceu um colega de trabalho durante a pausa do almoço, dizendo da ultima; "...um edifício tombou na rua X, ao lado do banco Y...", e também seguiu contando uma interessante história sobre o edifício, "...o Dono do Edifício possuía a chave-mestra que lhe dava possibilidade de abrir a porta de todos os apartamentos, então pelo começo da manhã ele entrava sorrateiramente em apartamentos alheios e enchia a pança com comida e refrescava a garganta com iogurte de morango, que era o seu favorito".

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