quarta-feira, 20 de março de 2013

Linhas da Página 9

Pensar em alguém é pensar a cada segundo, em cada gesto ridículo; é como estar cagando e dar uma risada. Se perceber só e pensando em alguém enquanto está se no trono, não é o melhor modo. Mas é tudo subjetivo. Os corvos dos meu pensamentos atacavam-me, quando o toc-toc de mãos leves chegou aos meus ouvidos, levantei com pressa. Estranhei, não esperava ninguém. Talvez ela? (Sempre se espera por ela). Abre 'sá porta, porra! Desconfirmou minha suspeita; a voz rouca de Paulo. Virei a chave, abri a porta. Convidei-o para entrar. Ofereci café, ele ignorou o convite. Cê não tá afim de tomar umas pancas hoje? Tentei recusar com desculpas prontas; — Não quer um chá? Mas já não havia outra maneira. Eu que não fumava um baseado desdo incidente, por sinal; Paulo estava presente no dia. E olha só, não me dei conta em que rua estava e de que já havia descido pelo elevador, algumas quadras da casa dela. Não sei se foi alucinação, mas vi uma das cortinas se mexendo. Talvez fosse. Parei de frente à casa, a luz do quarto estava acessa; agora, a cortina se fechou. A luz se apagou. Olhei o relógio, por curiosidade, constatei que; uma vez atrasado, sempre atrasado. Paulo mijava seu nome no muro.
Logo chegamos na casa, estavam todos esparramados pela sala, iluminados por uma luz que saia do poste e por uma luzes de velas (não indaguei porque não queria lembrar-lhes da possível conta não paga). A agulha nos sulcos do vinil; o gramofone assoviava o jazz. Cumprimentei todos com um aceno discreto e um boa-noite que se arrastou. Débora segurava o cachimbo, soltando a fumaça azul do haxixe. O tédio ocupava a sala, mais denso que a fumaça resinada. Me passaram a garrafa de vinho do porto, glup! Abraçou meu estômago em memórias. Foi exatamente aqui, numa ocasião similar que Ofélia:
 Tem morcegos lá fora, não vá. Ela dava gritos de pavor e dizia que aranhas subiam pelo seu corpo. Ela desmaiou no banheiro, batendo com a cabeça na privada. No outro dia, levei ela pra casa, estava ansiosa, não suportava a presença de ninguém. Inquieta, não falava nada, andava num passo acelerado. Se trancou em casa por semanas, não se alimentava, tinha os cabelos despenteados, o olhar desalmado. Um dia fui a visitar, ver como estava. Eu penso que qualquer condição é passageira, que ela só precisava por algumas idéias no lugar. Um pouco de ar fresco, não sei. Dou algumas bolas no haxixe, que me acerta em cheio. Meus sentidos ficam sensíveis, ao mesmo tempo que fico anestesiado. Estou derretendo(!). Conclusão: ela precisava mesmo era viajar.
 Existe um Cabeção por trás de tudo, que controla as massas. É obvio, que tem um cabeção que controla o cabeção, ou seja; um cabeça-mestre. Ele deve ter policiais, politicos, donos de jornais, rádio, a televisão, lojas, shoppings. Tudo menos as pastelarias chinesas, mas que fazem parte de outro negocio com a máfia. Mas esses bichos são tudo a mesma merda. (Porque o Paulo sempre que fica chapado, fica falando essas merda de conspiração non-sense?). Tem um cara faturando com a nossa indiferença, mas ele é tão esperto que também lucra no oposto. Com certeza, deve ter espiões espalhados pela cidade, algum personagem que ninguém desconfia; pode ser a tia do café, como pode ser o cobrador de ônibus. Ninguém nunca vai saber. Que se foda (Ai o discurso começa ficar megalomaníaco). Eu acredito nisso porque sei que não existem Deuses, que nós fazemos nosso presente, e o presente é o único momento, o único e eterno momento. NADA MAIS IMPORTA!
Aqui não mudou nada, sempre a mesma ladainha. Não esperei o vinho acabar pra passar mal. Vomitei, no vaso. Lavei a boca com um gole de cerveja. Me despedi de todos e saí. Meus queridos leitores, serei franco com vocês, por ocorrências dos meus hábitos sadios, não me lembro de nada. Até acender a luz do quarto, deitado na cama. TZZZZZZZZZZ, alguém tocava a aldrava-elétrica. Abri a porta, já estava sentindo os insetos subirem pelo meu corpo. Qualé? disse o puto do Henrique. (...) Não respondi nada, ele fez o sinal clássico. Mandei ele entrar, e fomos logo pro meu quarto, falei: quanto tu quer comprar? Tendo em mente que a minha grana estava curta, e de que ele não comprava maconha de mim com frequencia.

Henrique: Vintão.

Peguei um toquinho. Botei na mão dele. Ele olhou pra mixaria.

— Esse aqui é o famoso Haze©.


Boquiaberto; fechou a mão. Me abraçou, pegou o elevador. Novamente só, entrei dentro de casa. Lembrando de fechar a porta, claro. Por mecanismo, liguei a TV. Estranho perceber que não existe silêncio, ou a ausência total. Ou oposto. Cruel mundo morno de impossibilidades físicas. Quem dera chutar o traseiro de Newton. Taquecardia. Transitei de um lado para o outro do quarto com o pensamento fixo em lugar entre uma conspiração envolvendo a maçonaria e as tele-emissoras. Eu precisava sair. Respirar um pouco do sereno. Na cidade só anda fantasmas. Sou um deles. Antes de chegar no bar, umas sete pessoas entrando num Uno quadradão, acelerando e cantando pneus. O Japa tava fechando o bar, mandando quatro caras embora.


— Vai se foder, playboy!

— Pô Japa não é assim cara

— Deixa que essa é por minha conta

Me atrevi a entrar no bar mesmo assim. Japa olhou pra mim, e eu disse:

— Vai fechar? Tem como me da uma bera?

— Não

Entrou dentro do bar, encheu dois copos de pinga. Pegou uma sacola do mercado, deu uma volta como uma barata tonta, entrou pra dentro do balcão, abriu a geladeira e colocou quatro latas de cerveja. Dei doze reais, que ele pegou na mão. Olhou a nota de dez e a nota de dois, confuso. Compreendendo muitíssimo bem o que ele queria dizer; peguei a nota de dois de volta e coloquei na carteira. Me despedi e fui dar uma volta pela cidade. A loucura talvez seja uma peste. Um mendigo tocava o chão frio lentamente, como se estivesse juntando uma lágrima de fada, ergueu-se vagaroso, como se a sua vida dependesse dessa homeopática gota para continuar existindo. A peste de todos, talvez. Outros garotos pichavam a parede um estabelecimento, hieróglifos que dão novas formas ao alfabeto, novos signos para as letras, modificando a inércia das paredes frias, que agora pra alguém tem valor (o preço da tinta pra limpar). E olhe só: de repente estou fronte a casa dela. Joguei as tradicionais três pedras contra a janela, como exige os filmes da minha infância. Esperei. A cortina se mexeu, ela abriu. Dei um rugido. Ela gorjeou. Três minutos depois saia ela de casa de pijama.

— A lua saiu de pijama?

— Vim avisar que a lua vai ficar em casa

— E quem vai me acompanhar?

— Nuvès.

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