terça-feira, 18 de setembro de 2012

Primeira Página

A primeiro momento sentiu-se bem para escrever a primeira página, pensando que haveriam outras que se sucederiam facilmente. Mas não foi assim que aconteceu. Sentou-se diante da máquina datilográfica. Por teimosia se convencia da superioridade das máquinas que datilografam sobre as máquinas modernas. Ele havia tentado com algumas, sempre de má fé, escrevendo uns poucos artigos-esboço. Também criou a lenda de que seus piores escritos haviam sido digitados nas tais máquinas modernas, "que pretendem mecanizar tudo que é humano, tudo que é vivo.", seu maior escrito foi justamente contra as máquinas modernas, um poema em decassílabos alexandrinos, de um parnasianismo antiquado.
Como não conseguia escrever desejou sair do microssomo-casa para o microssomo-rua, pois segundo pensava; o macrossomo-casa seria o planeta terra, o macrossomo-planeta seria a via-láctea... que seria o macrossomo-etc. Apesar de estar eternamente preso no microssomo-ele.  Seria ridículo pensar que, talvez, o macrossomo-pedra fosse correspondente a ele.  — Não, isto jamais! discordava mentalmente. Saiu de casa contente pois sabia por clarividência que encontraria a experiência necessária para escrever uma primeira página que sucederia facilmente para uma segunda página... Até o determinado para se que escreva um romance dentro das regras dos concursos.
Ao sair de casa, viu um velho que tinha um dos olhos saindo da órbita. No mesmo momento que o velho percebeu que estava sendo observado, nosso herói disfarçamente (atrasado) desviou o olhar para o chão e fez soar no assobio a melodia de für elise. Estava feito um insulto silencioso. Sentia culpa. O velho somente ignorava pois já havia tomado tantos tapas na cara que, (o olho já havia caído), não ligava se alguém inventasse uma nova maneira de lhe dar tapas. Aprendeu a ignorar. Assim como também fez enquanto a assobiava, tentando ignorar aquele ato brusco de sua parte. Havia estourado à rigor a lei do respeito, da ética, era um brutamonte que estava disfarçado em seus agasalho antigo de bons-modos (que havia voltado a moda recentemente). Deveria ser preso!
Atravessou a rua precisava de algo que servisse como alavanca para a aventura, que levasse a vida dele para um objetivo. Comprou um sorvete de morango. Sentou-se no banco. Aguardou. Nada de impactante poderia acontecer, ele era um ser evoluído, um verdadeiro homo sapiens sapiens, nada poderia afetar a sua indiferença. Crianças tropeçaram perto dele. Haviam tropeçado em um paralelepípedo. Um bloco retangular que escondido em fendas de realidade era ele. Ele era o paralelepípedo no caminho das crianças que também eram o mundo. A pedra esmagando o macrossomo-etc que era o pavimento. Enquanto deleitava-se com o sorvete de morango artificial, as crianças choravam pedindo suas mães, mães estas que não ligavam muito para seus filhos, afinal mereciam aprender tudo sozinho, como todo adulto aprende (ou deveria aprender).
Um relâmpago químico de uma pergunta: Que rumo estaria tomando a humanidade neste momento? O que seria depois de homo sapiens sapiens sapiens sapiens? Quem seria? Quem seria o elo perdido? Poderia ser o próprio protagonista, afinal sabia mui bien escrever como fazem os escritores de enciclopédia, sabia pensar como os velhos que bebem grapa no bar e ignorava tudo ao seu redor (o que era excepcionalmente importante). "O homem depois de Adão, uma evolução graças à iluminação". Ria-se internamente por Adão ser apenas um protótipo, uma réplica mal-feita dele...
Assim escorreu, não a primeira página mas alguma que era mais pro meio da história da humanidade. Que infelizmente era só a primeira página deste livro.

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